É costume, quando chega o aniversário de São Paulo (a cidade irá comemorar 471 anos no próximo dia 25), refletir sobre suas qualidades e desafios. Eles são tão grandiosos quanto a própria metrópole, que ao longo da história passou de vilarejo escondido a capital vibrante. Nessa trajetória, um aspecto sempre me tocou profundamente: a participação dos imigrantes que, em diferentes levas, deixaram suas marcas nas ruas, nos prédios e, talvez acima de tudo, na gastronomia.
A culinária tem a capacidade mágica de nos conduzir a outros lugares e até a outros tempos. Por isso, quem vem de longe costuma trazer consigo ingredientes e receitas, como antídoto para a saudade da terra deixada para trás. Muitas vezes, de estratagema pessoal a comida se torna um meio de ganhar a vida e construir um novo futuro. Isso explica por que São Paulo se tornou uma meca dos restaurantes.
Que prato tem a cara da cidade? Difícil cravar, mas pense em um e você o encontrará por aqui. Com as misturas, o paulistano aprendeu a cultivar uma curiosidade internacional à mesa. Para ele, toda culinária é bem-vinda. Afinal, é mesmo um luxo poder viajar sem sair da cidade, usando apenas o paladar como meio de transporte.
Penso que, se Sheherazade tivesse de entreter o sultão com 1 001 sabores, em vez de contos, poderia muito bem trazê-lo a passear pela capital paulista. E, como boa filha de imigrantes, crescida em uma casa que nunca se esqueceu de suas raízes portuguesas, se fosse montar um roteiro para a dupla, privilegiaria aqueles restaurantes que preservam com esmero sua origem. Para mim, São Paulo não tem cara de fast-food, mas do requinte que advém de preservar a tradição.
“O paulistano aprendeu a cultivar uma curiosidade internacional à mesa”
Assim, meu francês favorito é também o mais antigo, o Freddy. Em noventa anos, mudou de endereço e de dono algumas vezes, mas seu salão nos leva a uma França ideal que os anos não apagam. Para italianos, meu preferido é o Fasano, que seguiu de certo modo o caminho da expansão da cidade: nasceu no centro, subiu até a Paulista e desceu para os Jardins. Estando na região, honraria meus antepassados indo ao A Bela Sintra.
Cito aqui alguns dos meus locais prediletos, não para fazer pouco dos demais, mas por ver neles um traço comum que associo, novamente, ao que eu própria vi e vivi em casa.
Para conquistar seu lugar em terra estrangeira, o imigrante precisa mostrar a que veio. Não foi diferente com meu pai, a vida toda pondo capricho em tudo o que fez, fosse atender a clientela na doceira que inaugurou sua trajetória, fosse cuidar dos negócios que vieram depois.
O trabalho árduo e a dedicação ferrenha dos imigrantes não são um mito, mas um esforço necessário de assimilação. E esse empenho não se encerra em si. As gerações seguintes zelam para garantir a continuidade dos bons frutos. A boa mesa paulistana é, portanto, a expressão clara da palavra legado.
Por isso, quando ouvir alguém dizer que comeu em São Paulo um risotto alla milanese tão bom quanto os da própria Milão ou um filé à chateaubriand digno de Paris, não duvide. Antes, celebre. Se sentimos que nossos restaurantes mais queridos são uma extensão de nossa casa é porque, com cuidado e dedicação, alguém procurou fazer dessa enorme cidade um pedacinho de sua pátria.
Publicado em VEJA de 24 de janeiro de 2025, edição nº 2928
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