Com a ilusão de que “em se plantando tudo na sua terra dá” sem necessidade de escola, e com a certeza de que para trabalhar dispunha de mão de obra escrava, a elite brasileira relegou, por séculos, a educação de seus filhos. Os ricos não precisavam e os pobres não deviam estudar. Por isso, grande parte de nossa população permaneceu analfabeta, poucos concluíam a educação de base e raríssimos seguiam cursos de ensino superior. Só a partir dos anos 1960, a parte rica universalizou o ensino médio para seus filhos e buscou ensino superior para muitos deles. Foi preciso esperar até o século XXI para surgirem leis que asseguram matrícula a todos os brasileiros na educação de base, em um sistema dividido em “escolas senzala” e “escolas casa-grande”, com qualidade muito desigual conforme a renda. Garantiu-se matrícula, mas não a frequência em cada dia, nem assistência durante o dia, tampouco permanência ao longo do ano e até o final do ensino fundamental, apenas metade dos alunos conclui o ensino médio, e poucos aprendem o necessário aos desafios da contemporaneidade.
“A mente de cada pessoa se alimenta também do conhecimento de seus compatriotas”
A elite descobriu a importância de educar seus próprios filhos, mas ainda não percebeu a necessidade de educar toda a população. Não sabe que a qualidade dos médicos fica comprometida se seus auxiliares não conhecem a importância da falta de higiene para evitar transmissão de doenças; nem percebe que, por falta de conhecer idiomas estrangeiros, ao ler a bula do remédio ou o manual de equipamento, enfermeiros cometem erros. Os ricos não sabem que sofreriam menos violência e precisariam gastar menos em segurança de seus condomínios se todo brasileiro conseguisse emprego e renda, graças à educação que ofereça um ofício e habilidade das modernas ferramentas digitais; não sabem que a democracia é prejudicada pela falta de educação de base.
Nossos economistas não perceberam ainda que a educação de base para todos é um fator de produção tão necessário quanto capital, mão de obra, recursos naturais; não levam em conta que a educação de todos é necessária para dinamizar o turismo graças a taxistas, vendedores e pessoas que falem idiomas estrangeiros em ruas pacíficas. Os engenheiros não consideram o aumento na eficiência, se os pedreiros conhecessem as bases da geometria e os operários tivessem noções de física.
A elite não percebe que a mente de cada pessoa se alimenta também do conhecimento dos seus compatriotas, porque a educação não é plena, se disponível apenas para poucos. Em uma ilha deserta, o doutor também está analfabeto enquanto não ensinar o outro sobrevivente a ler. Cada pessoa que aprende um idioma beneficia todas as que já o falavam. Nossos ricos não sabem que ao limitar o ensino a poucos estão afogando seus filhos na deseducação social, ou induzindo-os à emigração em busca de paz nas ruas, civilidade, serviços que funcionem, conquistados no exterior graças ao fato de outros países terem entendido que a educação deve ser democrática.
Nosso desafio maior e mais imediato é educar as elites para entenderem a importância de educação para todos. Sem isso, será difícil dar o salto para a civilização que o Brasil merece.
Publicado em VEJA de 25 de agosto de 2023, edição nº 2856