15 de março, 7h44: Luís Augusto Russo, pesquisador principal do estudo clínico de que faço parte como voluntária, me envia uma mensagem com a informação que mais aguardava desde que o Brasil se tornou recordista mundial de mortes por Covid e assumiu o triste papel de incubadora de uma cepa mais transmissível do vírus: na sexta-feira, dia 19, o centro de pesquisa que ele coordena no Rio de Janeiro abrirá os dados confidenciais de cada paciente que participou do desenvolvimento da vacina anti-Covid da Janssen. Trancada em casa, não sabia se ria, chorava ou comemorava em carreira solo. Na dúvida, fiz os três. E iniciei a semana com uma dose extra de esperança e com a certeza de que em algum momento sairemos dessa.
A partir de sexta, os 74 pacientes que, no segundo andar daquele prédio no Rio se prontificaram, no ano passado, a ajudar a ciência e receberam um placebo, serão convocados a receber o imunizante verdadeiro. De dose única, com eficácia de 87% contra a variante originalmente encontrada em Manaus e de 81% contra a mutação sul-africana.
Os outros 74 que já haviam recebido a dose verdadeira mas não sabiam terão a confirmação de que foram vacinados e receberão seus comprovantes de vacinação autenticados pela equipe médica em cartõezinhos enviados ao Brasil pela Janssen. Eu e mais 7.559 brasileiros formamos esta lista de voluntários que, em um misto de confiança, senso de responsabilidade ou mera curiosidade científica, resolvemos ir para a linha de frente de uma pesquisa em busca de mais uma vacina contra a Covid-19.
Em todo o país, centros de pesquisa que recrutaram pacientes para testar o imunizante da Janssen começaram a abrir o chamado duplo-cego, método que acompanha o voluntário no desenvolvimento da vacina sem que nem ele nem a equipe médica saibam se houve a administração da dose verdadeira, batizada pela Janssen de Ad26, ou de um frasco com soro fisiológico. Ao tornar pública a informação ao paciente, também são divulgados exames de sangue e de esfregaço nasal, do tipo RT-PCR, que foram feitos nos voluntários. Na medida em que os resultados de outros testes ficarem prontos, afinal estaremos sendo monitorados até dezembro de 2022, dados sobre o quadro clínico de cada voluntário também serão divulgados.
9h54: O último sábado foi diferente para o empresário Adriano Ortolani, de 37 anos. Também voluntário do ensaio clínico da Janssen, ele ouviu por meses que era “louco” de se inscrever em uma pesquisa em prol de uma vacina anti-Covid. Em outubro, quando compareceu a uma clínica de São Paulo para os primeiros testes, a curva de casos da doença no país dava importantes sinais de arrefecimento, quase um sopro de otimismo antes de caos que se avizinhava no fim de ano e que explodiria sem piedade em 2021. No sábado, a mensagem da clínica o informava que deveria escolher um dia do mês de março para abrir os dados confidenciais de sua participação no experimento científico e receber a vacina caso tivesse sido incluído no grupo placebo. Ortolani mal se conteve e na manhã de hoje bateu às portas da clínica. Resultado: ele havia recebido uma ampola com soro fisiológico no primeiro dia como voluntário. Outras três pessoas estavam na mesma situação, e todos tomaram imediatamente a vacina verdadeira. Era o fim de meses em que tentou compreender como ele, sem qualquer sinal de Covid, convivia com a esposa, que já havia testado positivo, e com a filha pequena, que tinha sinais de gripe.
Em conversa com o blog, Adriano Ortolani diz que fez uma bateria de exames diagnósticos para o coronavírus nos últimos meses, incluindo o obrigatório antes de receber a vacina experimental da Janssen, e todos haviam relatado resultado negativo. Hoje, ao ver seu histórico clínico na pesquisa, descobriu que teve Covid, se curou e agora está vacinado. “Não teve festa de fim de ano, mas flertei muito com o vírus de janeiro para cá”, disse ele de dentro de um hospital privado em São Paulo, onde, a exemplo do restante do país, a UTI para casos de Covid está lotada. Adriano se recupera de uma cirurgia na mão.
Imunizado, ele correu para me contar a alegria de ter sido enfim vacinado. “Foi uma experiência única, não me arrependo, faria de novo mil vezes”, me disse hoje Adriano. No sábado, eu mesma acabei consolada por dois outros voluntários, que também não conheço, a me manter forte na pandemia. Sem nunca termos visto uns aos outros, formamos uma espécie de família de desconhecidos e trocamos medos, aflições e expectativas. A mais recente delas, a data em que a vacina estará disponível, foi solucionada.
13h06: A clínica onde me inscrevi para os testes clínicos me telefona para agendar a quebra do duplo-cego da minha participação como voluntária. Foi antecipado em um dia. Será na tarde de quinta-feira que enfim saberei se tomei o imunizante verdadeiro ou um placebo.