O cineasta, roteirista, escritor, ator e músico norte-americano Woody Allen, nascido em 1935 na cidade de Nova York com o nome de Allan Stewart Königsberg, pode ser genial no cinema. Mas é um sujeito controvertido na vida privada. Em 2014, foi acusado de abuso sexual por Dylan Farrow, sua filha adotiva com a atriz Mia Farrow, parceira de vida do cineasta por uma dúzia de anos.
Quando o episódio supostamente aconteceu, a garota teria 7 anos de idade – hoje é mulher feita, está com 32. Allen sempre negou a acusação, classificando-a de inventada por Mia. A história é enroscada. A motivação da atriz seria o ressentimento por ter sido abandonada por Allen em 1997. Ele a trocou por Soon-Yi Previn, sua filha adotiva com o marido anterior.
As investigações sobre o caso nunca chegaram a uma conclusão, porém sua repercussão fez o cineasta enfrentar problemas incômodos, sobretudo com mulheres famosas. No começo deste ano, a atriz e cineasta Greta Gerwig, que trabalhou com ele em Para Roma, com amor, filme de 2012, afirmou que jamais voltará a atuar em um filme de Allen.
Com essa estocada, aumentou a lista de artistas na mesma posição de combate. Entre outras, perfilaram-se Jessica Chastain, Ellen Page e Mira Sorvino, que até escreveu uma carta aberta pedindo desculpas à filha adotiva do cineasta, por haver trabalhado com seu pai.
Indiscutivelmente, Allen é um mulherengo contumaz, que já se envolveu em muitos casos amorosos ao longo da vida. Permaneceu doze anos com Mia, embora os dois nunca tenham morado juntos. Ele já havia sido casado com Harlene Rosen (de 1956 a 1962) e Louise Lasser (de 1966 a 1970). Agora, aos 82 anos de idade, continua aparentemente quieto ao lado de Soon-Yi.
Os melhores filmes de Allen combinam humor judaico, psicanálise, culpa, sexo e fenômenos subjacentes ou explícitos no mundo moderno. Às vezes, ele encarna na tela o personagem que criou: um intelectual, neurótico, inquieto e inseguro, de personalidade oposta à sua na vida real. Allen foi indicado 23 vezes e ganhou quatro Oscars, sendo três de Melhor Roteiro Original e um de Melhor Diretor. Recebeu mais indicações ao Oscar de roteiro do que qualquer outro colega.
O influente crítico cinematográfico Roger Ebert, que escrevia no diário Chicago Sun-Times, com os textos republicados em mais de 200 jornais dos Estados Unidos e do mundo, qualificou-o de “um tesouro do cinema”. Allen também é bom de clarineta e toca em locais pequenos de Manhattan. Ele adora jazz.
Uma tara assumida pelo cineasta, porém, é o sanduíche. Até ganhou um em sua homenagem, por sinal gigante. Chama-se Sanduíche Woody Allen e foi criado pela delikatessen e restaurante The Carnegie Deli, de Nova York. Combina substanciosas fatias de pastrami com três tipos de mostarda; acompanha pepino em conserva. O pão pode ser rústico ou de centeio. Allen esteve lá, comeu e aprovou o sanduíche. Informado que era o campeão de vendas do cardápio, comentou sarcástico: “Pena que meus filmes não façam o mesmo sucesso”…
O pastrami é uma carne bovina magra, curada em salmoura e condimentada com páprica, pimenta, cominho, zimbro, alho e algumas vezes defumada; a seguir, pode assar lentamente em forno baixo. Seria originário dos Balcãs – nome histórico e geográfico da península meridional da Europa onde se encontram Romênia, a antiga Iugoslávia (Bósnia, Croácia, Eslovênia, Kosovo, Macedônia, Montenegro e Servia). Albânia, Bulgária, Turquia e Grécia.
Popularizou-se nos Estados Unidos, no qual se tornou apreciado pelos judeus, como Allen, que por motivos religiosos não comem carne de porco, animal que consideram impuro. A proibição se encontra expressa no capítulo 11 do Levítico, o terceiro livro da Bíblia hebraica e do Antigo Testamento cristão. Portanto, os judeus substituem o pastrami pelo presunto, iguaria suína.
Em 1966, Allen escreveu para a revista norte-americana The New Yorker um conto imaginoso sobre a origem do sanduíche. Intitulou-o “Yes, But Can The Steam Engine Do This?” (“Sim, Mas o Motor a Vapor Pode Fazer Isso?”). O texto narra, meio sem pé nem cabeça, como aconteceu a invenção da especialidade e fala do seu apontado autor, o Lord Sandwich. O conto foi publicado no Brasil no livro Cuca Fundida (L&PM Editores, Porto Alegre, 1977), traduzido por Ruy Castro, com o nome de A História de Uma Grande Invenção.
Eis um parágrafo: “Tentando gravar uma imagem mental do primeiro sanduíche avaramente conservado numa geladeira no British Museum, passei os três meses seguintes escrevendo uma breve biografia do seu grande inventor. Embora meus conhecimentos de história sejam um pouco precários e minha capacidade descritiva ainda mais mambembe, espero ter capturado ao menos a essência desse gênio tão esquecido, e que essas notas esparsas inspirem um verdadeiro historiador a retomar o meu trabalho”.
Segue-se um cronograma satírico do suposto feito de Lord Sandwich. Aliás, a afeição gastronômica do genial cineasta ainda inspirou o livro “Woody Allen Makes a Scary Sandwich” (Woody Allen Faz um Sanduíche Assustador”), escrito por Karen S. Cole e lançado em 2015 pela editora CreateSpace, de Nova York. Contém textos curtos, muitos inspirados pelas obras de Allen, de quem a autora ficou amiga.
Paradoxalmente, o cineasta fala pouco em comida nos filmes. Em sua obra, com mais de 50 títulos, dois exemplos valem menção. O primeiro está no filme número um, uma curiosa brincadeira. Allen pega um filme de ação e espionagem japonês, reescreve todas as falas em inglês, chama os atores e dubla tudo, transformando-o numa comédia escrachada totalmente nonsense.
No enredo de “O Que Há, Tigresa?”, de 1966, o agente secreto Phil Moscowitz, vivido por Tatsuya Mihashi, recebe a missão de encontrar uma valiosa receita de salada de ovos roubada! Há também a cena hilariante da lagosta em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, de 1977. Um humorista judeu e divorciado, que faz análise há quinze anos, representado por Woody Allen, apaixona-se por uma cantora em início de carreira com uma cabeça meio complicada.
Essa trama assinala uma das obras-primas do diretor, vencedora de 4 Oscars – filme, direção roteiro e atriz, no caso Diane Keaton, no papel de Annie Hall, a cantora em início de carreira. Os dois vão morar juntos, mas depois de um certo período iniciam as crises conjugais. Na cena mais impagável, vemos um assustado Allen duelando com lagostas, para as gargalhadas de Keaton.
Quanto ao conto divertido sobre a invenção do sanduíche, publicado na revista The New Yorker e no livro Cuca Fundida, pode ser completamente imaginoso. Mas é rigorosamente autêntico no sentido de que Allen, como nova-iorquino da gema, aprecia demais esse emblema internacional do fast-food. Tanto que virou nome de um sanduíche.
Idêntica devoção revelava sua conterrânea Rita Hayworth (1918-1987), a bela, sedutora e provocante atriz do filme Gilda, de 1946, dirigido por Charles Vidor. Ela também nasceu em Nova York e adorava sanduíche. Qual a relação com Allen? O autor do conto A História de Uma Grande Invenção declarou certa vez que a considera uma das mulheres mais sensuais da história de Hollywood.
Há uma foto sensual de 1941, tirada por Bob Landry, fotógrafo da revista LIFE, dos Estados Unidos, na qual Rita aparece sentada em uma praia, comendo um sanduíche. Veste um maiô duas peças, ousadíssimo na época, e libera aos fãs seu corpo escultural. Deve ser pelo sanduíche que Allen a admira…
RECEITA
WOODY ALLEN
Rende 1 sanduíche
INGREDIENTES
.2 fatias de pão rústico ou de centeio
.300g de pastrami cortado grosso com a faca
.20g de molho de mostarda (misture uma parte de mostarda amarela americana com uma parte de mostarda Dijon em grãos e duas partes de mostarda Dijon cremosa)
.80g de pepino em conserva
PREPARO
1.Esquente as fatias de pão em uma frigideira antiaderente.
2.Sobre uma delas disponha as fatias de pastrami.
3.Passe o molho de mostarda apenas em um dos lados da segunda fatia de pão.
4.Feche o sanduíche, de maneira que a mostarda fique em contato com a carne.
5.Corte o sanduíche ao meio e sirva com o pepino em conserva.
Receita preparada por Lígia Marcondes, do site Entre Pratos e Copos.