Existe um ditado popular que diz que devemos evitar a tomada de grandes decisões quando estamos emocionalmente abalados. Se isso serve para a vida pessoal, deveria servir mais ainda nos casos de decisões públicas de impacto. Quando o país atravessa algum acontecimento que gera grandes comoções – como desastres e tragédias afetando a vida de milhões de pessoas – a cautela e, paradoxalmente, a “frieza” deveriam ser a regra para tomar decisões públicas, afinal, a política não é (ou não deveria ser) uma prática de pedagogia, que lida com crianças para quem se pode dizer palavras de conforto, mas enganadoras. Mas, normalmente, logo após esses acontecimentos, as primeiras medidas políticas adotadas são as que geram as piores consequências possíveis, por exemplo, o controle de preços de mercadorias básicas.
Nessas horas, surgem os economistas (ou os entendedores de economia) com suas recomendações “surpreendentes”, “insensíveis”, “crueis”… Talvez seja por isso que os economistas (principalmente os chamados ortodoxos) sejam vistos como “sem sentimentos” e “misantropos”. Mais ainda, por esse motivo e outros, a ciência econômica é chamada de dismal science. Não, a teoria econômica apenas pretende ser guiada pela racionalidade e pelo consequencialismo, tentando não encobrir verdades duras de ser aceitas em momentos difíceis. Na verdade, nos momentos mais difíceis o único remédio que efetivamente trará a cura é o remédio mais amargo.
Em um texto escrito logo após a ocorrência do furacão Katrina nos Estados Unidos*, quando o preço da gasolina aumentou vertiginosamente e o governo americano impôs um controle de preços com aplicações de multas a postos infratores, Richard Posner – juiz, professor de Direito e um dos fundadores da Análise Econômica do Direito – afirmou: “O que provoca tais reações, além da pura ignorância sobre economia básica (um fracasso do nosso sistema educacional) e os apelos demagógicos dos políticos a essa ignorância, é o fato de que uma redução inesperada na oferta provavelmente produzirá lucros anormais” (p.125).
Todas as vezes em que acontecem tragédias, trabalhos de alívio social devem ser feitos, sem dúvida, mas a lógica do mercado não pode ser desprezada. Em outras palavras, em mercados com concorrência, os preços não devem ser controlados pelo Estado – nem mesmo nessas situações “excepcionais”, pois é justamente nesses momentos que a intervenção gera mais prejuízos ainda para os consumidores. Há milênios (e não é figura de linguagem, mas indicações de registros históricos) que a humanidade já viu e experimentou — em absolutamente todas as situações quando isso aconteceu — que não existe nada como um “controle de preços eficaz”. Diria que, se há alguma certeza na vida, uma das poucas é que controle de preços não funciona, só gera mais problemas. Ainda citando Posner:
“Tais intervenções são, no entanto, um erro profundo, e não apenas de uma perspectiva ‘econômica’ restrita que desconsidera o sofrimento humano e a justiça distributiva. [Se o controle de preços] desencoraja refinarias e revendedores de cobrarem os preços altos necessários para equilibrar a demanda e a (reduzida) oferta, haverá escassez” (p.126).
A lógica dessa afirmação de Posner é ensinada nas primeiras semanas de um curso de Microeconomia I para calouros de universidades. Uma das maneiras prediletas que tenho de enxergar essa lógica foi explicada por um colega meu, prof. Marcos Nóbrega, jurista da Universidade Federal de Pernambuco. À época – no início da pandemia da covid-19, em meio ao frenesi da corrida ao álcool gel nos supermercados e farmácias, os governos de alguns estados no país, para variar, ameaçaram tabelar o preço. Marcos, em uma palestra, asseverou: “Se fizerem isso, vai surgir um mercado negro e o álcool gel vai subir os morros das favelas, vai passar a ser controlado pelo crime organizado!” Apesar da piada, ele não estava falando somente em tom de brincadeira…
Dialogando com o texto de Posner citado acima, o grande (gigante) economista Gary Becker também reagiu*:
“Mas os controles de preços não deveriam ser usados em países pobres quando enfrentam uma escassez catastrófica no fornecimento de um alimento básico …? As famílias mais pobres podem não conseguir pagar os preços mais altos e poderiam enfrentar a fome. Ainda assim, não acredito que os controles de preços sejam uma boa solução, pois eles desencorajam a maior produção e importação do alimento escasso e incentivam os agricultores a estocar suas colheitas. Os governos desses países, e os países mais ricos também, por meio de ajuda humanitária, deveriam se tornar ativos na compra de arroz ou qualquer outra colheita envolvida e revendê-los às famílias pobres a preços mais baixos. Ou esses governos deveriam aumentar as transferências de renda para os pobres, permitindo que eles paguem os altos preços de mercado.” (p. 230)
Eis os pensamentos de dois (três!) dos maiores nomes do Direito e da Economia. Que sirvam para nossa reflexão e decisão nestes tempos de tragédias no Rio Grande do Sul… (E de outras que aparecerão no futuro, infelizmente…)
*As passagens deste texto foram extraídas do capítulo Post-Catastrophe Price Gouging (Exploração de Preços Pós-Catástrofe) do livro Uncommon Sense: Economic Insight, From Marriage to Terrorism (Senso Incomum: Percepções Econômicas do Casamento ao Terrorismo), escrito pelos dois autores. O livro é um compilado dos textos que eles publicaram em um blog que tinham em conjunto, numa das iniciativas mais interessantes e ricas (pelo brilhantismo de ambos) na interação entre o Direito e a Economia, Posner representando um lado, Becker o outro. Certamente, no futuro, discutirei mais textos dessa publicação.
Luciana Yeung é Professora Associada do Insper. Fundadora e Ex-Presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), membro do Conselho de Diretos da Associação Latino-americana de Direito e Economia (ALACDE). Autora de Análise Econômica do Direito: Temas Contemporâneos (coord.) e Introdução à Análise Econômica do Direito (juntamente com Bradson Camelo).