Por que árabes e israelenses se casam na Ilha de Chipre?
A maior parte dos noivos busca cerimônias civis, que não são possíveis em seus países
Todas os dias, aviões cheios de casais libaneses pousam no aeroporto da Ilha de Chipre, no meio do Mar Mediterrâneo, às 7h30 da manhã. Meia hora depois, aterrissa um avião de Israel, igualmente repleto de casais e familiares animados.
A cada ano, milhares de árabes e de israelenses escolhem se casar nesse pequeno país que se propagandeia como a “Ilha do Amor“. Só na cidade de Larnaca, com 70 000 habitantes, são realizados cerca de vinte matrimônios para estrangeiros por semana.
As agências oferecem um cardápio variado de paisagens: praias, iates, cachoeiras, vilas privadas, jardins de museus e vinícolas. “Os preferidos, sem dúvida, são a praia, a praia e a praia”, diz a holandesa Dinah Martens, da empresa Cyprus Wedding, que organiza festejos por lá.
Mas não é apenas a paisagem idílica que atrai os noivos para Chipre. Os que vivem em países do Oriente Médio buscam, simplesmente, a oportunidade de ter um casamento civil, algo que muitas vezes lhes é negado em seus países.
Em Israel, só é possível ter casamento religioso. A única autoridade autorizada a fazer isso é o rabinato, que faz celebrações ortodoxas. Mesmo judeus que não seguem tanto a religião têm problemas em se candidatar. Judeus que migraram da Rússia após o colapso da União Soviética e não são filhos de mães judias também são recusados.
Há também entidades cristãs e muçulmanas reconhecidas pelo governo. Porém, essas, assim como as judaicas, não autorizam casamentos entre pessoas do mesmo sexo, com alguém de outra religião ou de mulheres que se divorciaram.
No país, um em cada dez casamentos ocorrem entre noivos de religiões ou etnias diferentes (matrimônios entre um árabe e uma judia, ou entre um judeu e uma árabe, são raríssimos. Nas uniões entre pessoas de crenças ou etnias diferentes eles representam 0,03%).
Como as autoridades aceitam os documentos dos que se casam no exterior, Chipre tornou-se uma opção próxima e barata para os que não conseguem ser aceitos pelos religiosos.
Noivos árabes também enfrentam a mesma dificuldade. No Líbano e nos Emirados Árabes Unidos, só é possível casar-se segundo a lei islâmica. “Às vezes, eles não podem fazer isso porque as famílias não aceitam“, diz Dinah.
A explicação? Depois de 1453, a maior parte do Oriente Médio esteve sob jugo do Império Otomano. Governando desde Constantinopla, atual Istambul, os sultões dividiram o império em millets, termo que poderia ser traduzido por “nações” ou “comunidades religiosas”. Havia o millet muçulmano, o millet cristão, o millet judeu, o millet armênio. Eles faziam trocas comerciais entre si, como se fossem pequenos países. Cada um deles era chefiado por um líder religioso.
Nessas comunidades, as leis relativas à família, como casamento, herança, pensão alimentícia e educação das crianças ficaram a cargo de imãs, rabinos e padres.
Apesar de o Império Otomano ter sido derrotado na I Guerra Mundial, seu desaparecimento não levou os governos que surgiram no seu lugar a mudar esse hábito. Nas questões familiares, os religiosos continuaram a ter o monopólio em vários locais. São eles que se recusam a permitir os casamentos civis em seus domínios.
Enquanto no Ocidente a religião foi afastada do poder e tem uma influência limitada nas políticas públicas e nos costumes sociais, no Oriente Médio essa separação ainda não aconteceu.
Israel é o país mais liberal e secular da região. Mesmo assim, o rabinato ainda mantém o controle dos assuntos familiares.