Por que tem fascista na Itália, mas não tem nazista na Alemanha?
Vestir camiseta de Mussolini não é problema na Itália, mas fazer a saudação nazista na Alemanha pode dar três anos de prisão
Na cidade italiana de Predappio, de apenas 6500 habitantes, cerca de 50 000 pessoas visitam todos os anos o túmulo de Benito Mussolini para homenagear o criador do fascismo.
Seus admiradores usam camisetas com a imagem de Mussolini e compram lembrancinhas com slogans fascistas. Também fazem a saudação com o braço erguido em praça pública.
Na Alemanha, imagens do tirano Adolf Hitler ou da suástica só são permitidas em exposições e documentários com o objetivo de mostrar as atrocidades do nazismo. Fazer a saudação “Heil Hitler” pode dar três anos de prisão. Frequentemente, turistas desavisados pagam multa para escapar da cadeia por fazer o gesto nazista na frente do Parlamento, o Reichstag, em Berlim.
Não existe peregrinação ao túmulo de Hitler porque suas cinzas foram jogadas ao vento pelos russos em um lugar não revelado.
Os dois países europeus começaram a olhar para as suas raízes autoritárias de maneiras distintas logo depois da II Guerra Mundial. Na Alemanha dominada pelos Aliados, todas as referências a Hitler e ao nazismo foram apagadas. De 1941 a 1946, os Tribunais de Nuremberg julgaram e condenaram os envolvidos em crimes contra a humanidade. Depois da divisão do país em dois, os deputados da Alemanha Ocidental aprovaram leis banindo esses símbolos, a saudação e a negação do Holocausto.
Na Itália, duas leis, a Legge Scelba de 1952 e a Legge Mancino, de 1993, foram criadas com objetivo semelhante. Mas elas só banem esse tipo de comportamento se seus autores estiverem tentando reorganizar o Partido Fascista ou incitando o ódio. Com isso, os italianos podem se vangloriar do passado fascista desde que não falem em recriar o partido de Mussolini ou ataquem diretamente as minorias.
Há várias razões para explicar essa disparidade na abordagem. Após a II Guerra Mundial, a Itália tinha o Partido Comunista mais forte do Ocidente. Os grupos fascistas, então, mostraram-se úteis aos que queriam conter o avanço da esquerda. “Os fascistas foram usados como um contrapeso aos comunistas pelos que comandavam a repressão estatal. Com isso, eles acabaram sendo poupados”, diz o historiador italiano Matteo Albanese, professor da Universidade de Lisboa e coautor do livro Transnational Fascism in the Twentieth Century (Bloomsbury).
A rixa entre comunistas e fascistas se estendeu por toda a segunda metade do século XX na Itália. Mas, depois de 1989, ela se arrefeceu. Com a queda do Muro de Berlim, o Partido Comunista Italiano se reformulou, juntou-se com outras legendas e adotou o nome Partido Democrático. Intelectuais animados com o fim da Guerra Fria passaram a menosprezar as rusgas italianas em nome da reconciliação nacional. A moderação levou a um revisionismo histórico, que passou a valorizar supostas coisas boas do fascismo. O ex-premiê Silvio Berlusconi chegou até a dizer que o fascismo era uma “ditadura benigna”. “O processo de revisionismo histórico tem sido lento e hoje, infelizmente, mesmo a imprensa passou a aceitar a ideia de um fascismo inofensivo”, diz o historiador italiano Andrea Mammone, da Universidade de Londres.
Nos últimos anos, projetos de lei feitos por congressistas de esquerda para punir a propaganda fascista com prisão esbarraram nos deputados que dizem temer uma ameaça à liberdade de expressão. Nesse ponto, a Itália se assemelha aos Estados Unidos, onde os cidadãos estão protegidos pela Primeira Emenda da Constituição e podem ostentar livremente imagens dos tiranos fascistas ou da suástica.
O uso dos fascistas para atacar os comunistas, o enfraquecimento do antifascismo depois dos anos 1990 e a defesa irrestrita da liberdade de expressão fazem com que hoje seja muito mais fácil avistar um fascista na Itália do que um nazista na Alemanha.