(O texto a seguir apresenta spoilers da terceira temporada de The Crown)
O público de The Crown alimenta algumas ansiedades em relação ao futuro da série. Ver a princesa Diana em ação é uma delas — o que deve acontecer na quarta temporada. Por enquanto, a série da Netflix saciou a curiosidade dos fãs ao adentrar em parte da vida privada de príncipe Charles, mais especificamente seu conturbado romance com Camilla Parker-Bowles — com quem o herdeiro ao trono britânico está casado atualmente.
Charles é interpretado pelo excelente ator inglês Josh O’Connor, que incorporou com primor a postura e o jeito tímido do príncipe, e Camilla é vivida por Emerald Fennell. Para saciar ainda mais os espectadores, a série jogou luz sobre a pouco conhecida princesa Anne (Erin Doherty), a irmã ousada de Charles.
Confira a seguir o que é verdadeiro e o que é ficção sobre a juventude de Charles e Anne retratada na terceira temporada de The Crown:
Discurso em Gales
Como manobra para acalmar o movimento separatista no País de Gales, príncipe Charles passou meses estudando na Universidade de Aberystwyth com a intenção de se familiarizar com a região e aprender a língua local, antes da cerimônia de investidura que o transformaria em príncipe de Gales. A história é retratada no ótimo sexto episódio da terceira temporada, intitulado Tywysog Cymru (príncipe de gales, na língua galesa). A aproximação é uma tentativa de quebrar o estigma de que o herdeiro era um “príncipe estrangeiro”, que pouco se importava com o isolado país no sudoeste da Grã-Bretanha, como seus antecessores. Tal como mostrado na produção, Charles realmente passou um semestre estudando galês antes do discurso que oficializou seu título em 1969. No entanto, na trama, o herdeiro dispensa um discurso previamente escrito pelos assessores da monarquia e usa suas próprias palavras para reconhecer o desejo de independência do povo. Na vida real, Charles nunca fez isso — ele apenas reforçou sua admiração pela tradição e história galesas. E diferentemente do mostrado, metade do discurso foi proferido em inglês.
O príncipe e o professor nacionalista
Com a chegada de Charles à Universidade de Aberystwyth, o professor Edward Millward (Mark Lewis Jones) foi o escolhido para mentoreá-lo durante sua passagem pelo País de Gales. Como mostra a série, é verdade que Millward foi uma das figuras centrais do Plaid Cymru, partido que continua ativo e cuja principal bandeira é a instauração do Estado independente galês. “Àquela altura, eu era um nacionalista bem conhecido, então fiquei um pouco surpreso quando a universidade me perguntou se eu poderia ensinar galês ao príncipe Charles por um semestre”, confessou Millward em entrevista ao jornal The Guardian. “Ele tinha aulas particulares comigo uma vez por semana. Era ansioso e falava muito. No final (do semestre), seu sotaque era bastante bom.” De acordo com o historiador Robert Lacey, consultor histórico de The Crown, apesar das discussões ferozes acerca das questões monárquicas, os dois nutriam um sentimento mútuo de respeito e admiração, assim como retratado na série.
Amor à primeira partida de polo
Por muitos anos, divulgou-se a história de que Charles e Camilla Shand (nome de solteira de Camilla Parker-Bowles) se conheceram em uma partida de polo. A série da Netflix não deixa claro no episódio como eles de fato se conheceram, mas apresenta os dois juntos pela primeira vez durante uma partida em que Camilla torce fervorosamente pela vitória do príncipe — em seguida, Charles confidencia ao tio Lord Mountbatten (Charles Dance) que está apaixonado pela moça, dando a entender que já a conhecia. O rumor quase oficial foi desfeito em 2017, por uma biografia sobre Charles lançada pela autora Sally Bedell Smith. Segundo ela, o casal foi apresentado por uma amiga em comum, em 1972 — informação confirmada por Charles. O príncipe, porém, conheceu Camilla em meio ao complicado relacionamento ioiô dela e de Andrew Parker Bowles (Andrew Buchan).
Charles amava Camilla, que amava Andrew, que ficava com Anne…
The Crown se esbaldou com o estranho quadrângulo que envolveu Charles e sua irmã, a princesa Anne, Camilla e seu ex-namorado (e futuro marido) Andrew Parker Bowles. Confuso? Pois é. Na série, enquanto Charles e Camilla se conheciam, o ex de Camilla e a princesa Anne se esbaldavam em luxuosos quartos por aí. Na vida real, Bowles e a princesa de fato desfrutaram um affair, e nada mais que isso: como ele era católico, Anne sabia que um casamento não seria aprovado pelas regras da monarquia. Os dois permanecem próximos até os dias atuais: Bowles é padrinho de Zara, a única filha de Anne. No entanto, ao contrário do que é retratado em The Crown, o casal não se relacionou ao mesmo tempo em que Charles começava seu romance com Camilla. De acordo com Sally Bedell Smith, Anne e Bowles mantiveram um breve relacionamento em 1971, enquanto o príncipe e Camilla só se conheceriam 18 meses mais tarde. Por isso, também é ficção que Camilla tenha ficado com ciúme de Anne, razão que a levaria a voltar para Bowles: o rapaz era um namorado infiel e ficava com diversas amigas próximas de Camilla, dor de cabeça que a preocupava muito mais do que os casos antigos dele.
Intervenção da realeza contra Camilla e Charles
Ao saber dos sentimentos do príncipe Charles por Camilla, Lorde Mountbatten e Elizabeth, a rainha-mãe (Marion Bailey), se juntam em uma missão para separar o casal: eles não consideravam Camilla a pessoa adequada para acompanhar Charles durante seu reinado. Enquanto Mountbatten envia o herdeiro em uma missão da Marinha além-mar, Elizabeth fica encarregada de conversar com os pais de Camilla e Andrew Parker Bowles, por quem a moça ainda nutria sentimentos amorosos, e propõe que seja feito o quanto antes um casamento entre os dois — livrando, assim, o neto da “ameaça”. Bowles e Camilla realmente se casaram em 1973, mas não por uma artimanha da rainha-mãe, e sim por um plano orquestrado pelos próprios pais do casal. Cansados de ver os filhos em uma relação instável, Bruce Shand e Derek Parker Bowles publicaram o anúncio do noivado em um tradicional jornal inglês. Depois disso, Andrew não poderia recuar e se viu forçado a pedir a namorada em casamento, selando o compromisso. Até onde se sabe, a rainha-mãe nem sabia do caso entre Camilla e Charles. Quem sabia era Lord Mountbatten. Há quem diga que ele achava a moça inadequada por não ser virgem — uma futura esposa do rei deveria pelo menos aparentar que era casta. Já a biógrafa Sally Bedell Smith afirma que o tio apoiava o casal. “O único que realmente sabia sobre o casal era Lord Mountbatten, que apoiava a relação. Ele até os convidou para Broadlands (palácio rural em Hampshire, na Inglaterra) juntos”, diz a escritora..
Amizade de Charles com o Duque de Windsor
Ao longo dos anos, muitas comparações foram feitas entre príncipe Charles e o duque de Windsor, o ex-rei Edward VIII. O principal paralelo foi o dilema enfrentado por eles quando o assunto era o amor versus a coroa. Tal como mostrado na produção, o monarca renunciou ao trono por amor em 1936, após onze meses no posto. Na época, Edward havia proposto casamento à socialite americana Wallis Simpson, o que foi rejeitado pelo Parlamento, já que Wallis já havia se divorciado duas vezes. O monarca, então, escolheu ela em vez da coroa. A história guarda muitas semelhanças com a trajetória de príncipe Charles e Camilla — inicialmente impedidos de ficarem juntos, eles só conseguiram se casar em 2005, quando a regra que impedia que membros da realeza se unissem a divorciados já tinha caído. Na série, o ex-rei e o futuro rei desenvolvem uma amizade, e chegam a trocar correspondências. O documentário The Royal House of Windsor aponta um rumor de que Charles e Edward tiveram uma reunião secreta em 1971, na qual discutiram, entre outros assuntos, o fardo de ser um membro da realeza. Apesar disso, não é possível afirmar seu grau de proximidade ou então a troca de cartas — toda a correspondência escrita pelo duque está sob sigilo até 2042.