Dunkirk: o que é realidade no filmaço de Christopher Nolan
Primeiro filme baseado em fatos reais do diretor britânico mostra momento marcante da Segunda Guerra Mundial no Canal da Mancha
Christopher Nolan está sempre inovando e desafiando não apenas os limites do cinema, mas os seus próprios. Dunkirk, longa do melhor diretor de Batman, é o primeiro feito pelo cineasta com base em fatos reais. A trama relata um episódio marcante da Segunda Guerra Mundial, em que soldados das tropas aliadas foram encurralados por alemães nas praias de Dunquerque, na França, e tiveram que ser evacuados através do Canal da Mancha, em barcos.
A operação parecia impossível. Havia mais de 400 000 soldados no local, dos quais, em uma previsão considerada otimista, o primeiro-ministro Winston Churchill esperava resgatar apenas 45 000. Com a ajuda de civis, além da cobertura das forças aéreas, 340 000 homens foram salvos do local. Nolan, responsável pela direção e pelo roteiro de Dunkirk, contou em uma entrevista à equipe da Warner Bros., obtida com exclusividade por VEJA, que conhecia uma história simplificada do episódio na área francesa, que ressoou a vida toda em sua cabeça. “Quando criança, aprendi uma versão quase mística, como um conto de fadas, do que aconteceu lá. Há 20 anos, atravessei o Canal da Mancha com a minha esposa e produtora do filme, Emma Thomas. Foi um trajeto difícil e nem estávamos em uma zona de guerra. Isso me fez ter mais respeito e fascinação pelas pessoas que participaram daquela evacuação”, explicou.
Para transformar a experiência real em filme, Nolan contou com a consultoria histórica do apresentador britânico Joshua Levine, que resumiu a sua pesquisa sobre a guerra no livro Dunkirk: A História Real por trás do Filme (tradução de Elton S. O. Medeiros, Harper Collins, 328 páginas). Na obra, o diretor revela, em entrevista a Levine, que não se inspirou em nenhuma história pessoal específica para o roteiro. “Eu não vejo isso como um filme de guerra. Vejo como uma história de sobrevivência”, contou. Mesmo assim, a produção não se descola da realidade. Pelo contrário. Confira abaixo como os fatos reais se fizeram presente no maravilhoso Dunkirk:
Panfletagem
Logo na primeira cena do longa, quatro soldados passam por ruas desertas de Dunquerque cobertas por panfletos em que é possível ler “Nós te cercamos. Rendam-se e sobrevivam”. O exército alemão realmente fez diversos panfletos para as tropas inimigas, no entanto, nenhum deles era colorido. Alguns dos papéis, escritos em francês ou inglês, chegavam a trazer mensagens positivas, tentando convencer os soldados de que desistir seria melhor para a sobrevivência. Outros possuíam mapas com a localização das tropas nazistas na área.
Ajuda dos civis
Em maio de 1940, o governo britânico precisava de embarcações pequenas para conseguir transportar os soldados das praias de Dunquerque para águas mais profundas, onde poderiam subir em veículos maiores. A solução encontrada foi recorrer aos barcos de passeio. A BBC divulgou um anúncio do Almirantado britânico, solicitando informações de todos os proprietários de embarcações de 30 a 100 pés de comprimento, para utilização da marinha.
No entanto, Levine relata em seu livro que muitos proprietários não queriam deixar os seus barcos com os soldados e se voluntariaram para pilotar até o local, como é o caso do personagem de Mark Rylance, o Sr. Dawson, na produção. No total, foram empregadas 700 embarcações privadas, que ficaram conhecidas como “os barquinhos de Dunkirk”, de acordo com o site da associação Little Ships of Dunkirk.
Em entrevista para a equipe de divulgação da Warner Bros., a produtora do filme, Emma Thomas, contou que veículos reais utilizados na evacuação foram emprestados para a produção. “Existe um grupo de proprietários muito apaixonados por esses barquinhos que se encontram regularmente e mantêm suas experiências vivas. Isso nos ajudou muito a contar a história de maneira autêntica”, explicou.
Voltando a pé
Em uma das cenas mais tocantes do filme, soldados presos em Dunquerque assistem a um homem que começa a andar em direção ao mar até sumir entre as ondas. O que parece ser poesia pura, na verdade, aconteceu. Levine conta em seu livro o relato de um veterano da guerra que viu um homem indo para a água e, enquanto o soldado observava a cena de suicídio, pensava se não era apenas uma tentativa desesperada de voltar para casa.
Os personagens
Christopher Nolan explicou na entrevista para o livro de Joshua Levine que não queria usar a história de nenhum soldado específico que viveu em Dunquerque para representar melhor “o sentimento dos soldados britânicos e franceses”. Por isso, todos os personagens da história são fictícios. Apesar disso, é possível encontrar semelhanças com a realidade.
O personagem de Kenneth Branagh, Comandante Bolton, possui grandes semelhanças com o capitão britânico William Tennant, que ficou conhecido pelo seu grande esforço para levar o máximo de soldados possível de volta ao Reino Unido enquanto esteve na França. As atitudes de outros personagens, como os soldados que ficam procurando formas de sair da praia, enquanto a Marinha não chega, e o medo dos militares de ocupar as partes fechadas de embarcações por conta da possibilidade de naufrágios eram comuns no período.
O discurso de Churchill
Em 4 de junho de 1940, Wiston Churchill fez um discurso na Câmara dos Comuns que marcaria a história do Reino Unido. Com o término da Operação Dínamo, que levou os soldados das tropas aliadas para casa, Churchill declarou: “Lutaremos nos mares e oceanos, lutaremos com espírito de confiança e força crescentes; defenderemos nossa ilha, não importa a que custo; lutaremos nas praias, lutaremos nas cabeças de praia, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas colinas; nós nunca nos renderemos”. No longa, esse trecho é lido em um jornal por Fionn Whitehead. Ele de fato foi publicado pela imprensa: foi capa do periódico Daily Mirror do dia 5 de junho com o título “nunca nos renderemos”.
Levine explica que, quando os soldados voltaram da França, estavam envergonhados por serem evacuados e deixarem a região ocupada apenas pelos nazistas, sentimento representado por Harry Styles no longa. No entanto, ao chegar ao Reino Unidos, foram recebidos com grande animação pela população. O episódio em Dunquerque foi visto como uma vitória e quase um milagre, por conta da quantidade de sobreviventes. Whitehead comentou a situação na entrevista para divulgação, descrevendo o “espírito de Dunquerque” como “a união das pessoas para lidar com uma crise”.