Maçã envenenada e simpatia comunista: o real e a ficção em ‘Oppenheimer’
Filme de Christopher Nolan é inspirado na vida do criador da bomba atômica e tirou boa parte do longa da biografia do físico famosos
O majestoso Oppenheimer, de Christopher Nolan, é baseado na biografia do físico Robert Oppenheimer, o pai da bomba atômica, que teve sua vida dissecada no livro Oppenheimer: O Triunfo e a Tragédia do Prometeu Americano, de Kai Bird e Martin J. Sherwin. Confira, a seguir, o que é verdade e o que é ficção no longa:
A maçã envenenada
Em uma cena do filme, um jovem Oppenheimer injeta cianeto na maçã verde que repousa na mesa de Patrick Blackett, seu professor em Cambridge. Pouco depois, o acadêmico recebe a visita do físico Niels Bohr, que é interrompido por Oppenheimer quando vai comer a fruta. Na vida real, a tentativa de envenenamento parece ter acontecido. Segundo a biografia de Oppenheimer, ele injetou substâncias químicas na maçã de Blackett. O motivo é obscuro, já que o livro alega que Oppenheimer admirava o professor e ansiava por sua aprovação. Blackett nunca comeu a fruta, mas a faculdade acabou descobrindo a tentativa de envenenamento e pediu a expulsão de Oppenheimer. Ele foi salvo da punição graças aos pais, que convenceram a instituição a não expulsar o estudante, desde que ele seguisse com acompanhamento psiquiátrico. Não há relatos, no entanto, de que Bohr tenha visitado Blackett e quase comido a maçã envenenada — os biógrafos, inclusive, alegam que o físico pode ter injetado alguma substância mais leve na maçã, já que o cianeto implicaria em uma acusação de tentativa de homicídio. Já o neto de Oppenheimer, Charles, criticou a passagem do livro que descreve o envenenamento dizendo que não há registros dee tentar matar alguém e que ninguém que tenha ouvido a história a considerava verdadeira.
Ligação de longa data com o comunismo
O longa é bem fiel nas inclinações à esquerda de Oppenheimer — afinal, foi o delírio anti-comunista que desencadeou a perseguição ao cientista que antes era considerado herói pelos Estados Unidos. O físico sempre negou ter se filiado ao partido comunista, mas nunca escondeu sua simpatia pelas causas sindicais e o apoio ao antifascismo durante a Guerra Civil Espanhola. Seu irmão, a amante Jean Tatlock (Florence Pugh) e a esposa Kitty (Emily Blunt) tinham relações estreitas com o partido. Isso, é claro, embasou acusações de que Oppenheimer, na verdade, seria um espião da União Soviética e um traidor da pátria.
Sexo com texto sagrado
Em uma cena controversa do filme, que causou furor na Índia, Oppenheimer lê um livro sagrado Hindu durante o sexo. Na passagem, o físico e Jean Tatlock estão no meio de uma relação quando a mulher pega o livro sagrado Bhagavad Gita da estante do físico. Ela, então, abre a obra em uma página aleatória e pede que ele traduza a inscrição diretamente do sânscrito enquanto o ato se desenrola. “Agora eu me tornei a morte, a destruidora de mundos”, proclama ele, citando uma frase atribuída ao Deus Krishna. Ao que tudo indica, a cena não passa de uma liberdade poética. Oppenheimer e Tatlock realmente tiveram um caso, e o físico aprendeu a ler sânscrito e proclamou a frase depois da explosão da bomba atômica, mas não há registro da relação carnal embalada pela frase.
Teste preliminar fracassado
Pouco antes do teste da pioneira bomba Trinity acontecer no filme, os cientistas são pegos de surpresa por uma falha em um teste preliminar. Contrariando as expectativas, os explosivos que detonariam a bomba não funcionaram, o que gerou preocupação de que a explosão real fosse falhar. Kistiakowsky, o criador do dispositivo de implosão, aposta um mês de salário contra 10 dólares de Oppenheimer, garantindo que a explosão vai funcionar na hora H. Na realidade, a aposta e a falha de fato aconteceram, mas a apreensão foi menor do que no filme. Isso porque logo se descobriu que o dispositivo havia falhado por causa de circuitos queimados na fiação, e que não havia chance do erro se repetir na explosão da Trinity.
Apocalipse nuclear e Albert Einstein
Em uma conversa com Teller, que no futuro viria a ser conhecido como o criador da bomba de hidrogênio, o físico informa a Oppenheimer que seus cálculos mostraram uma chance “próxima a zero” da explosão da bomba nuclear dar origem a uma reação em cadeira imparável que aniquilaria a atmosfera terrestre, levando o ser humano à extinção. Oppenheimer, então, leva os cálculos de Teller a Albert Einstein para pedir que o físico refaça as contas. Na vida real, a preocupação com a aniquilação da atmosfera realmente existia. Oppenheimer, no entanto, não consultou Einstein para checar as previsões de Teller, mas o fisico Karl T. Compton, do MIT. Segundo a biografia do físico, ele e Einstein discordavam em aspectos científicos, o que gerava um afastamento na relação. Einstein, no entanto, acabou desenvolvendo certo nível de respeito por Oppenheimer.
A derrocada de Lewis Strauss
O julgamento de Strauss é provavelmente o momento do filme que mais se afasta da biografia de Oppenheimer. Isso porque a suspensão de sua credencial de segurança é citada brevemente no livro, sem se aprofundar nos pormenores da audiência. Sabe-se que um cientista do Projeto Manhattan chamado David Hill, vivido por Rami Malek, testemunhou sobre a obsessão vingativa de Strauss com Oppenheimer. Ao contrário do que mostra o longa, no entanto, ele não foi o único a apontar os objetivos obscuros de Strauss. O cientista David Inglis, por exemplo, já havia mencionado a “vingança pessoal” de Strauss contra Oppenheimer e o senador Clinton Anderson, do Novo México, se tornou uma espécie de inimigo pessoal de Strauss e fez um lobby severo por sua condenação.