As redes estaduais de ensino têm melhor qualidade do que as municipais?
Neste 5º post da série sobre educação e federalismo, indagamos o que credenciaria as redes estaduais a criar modelos e normas para as redes municipais?
Os dados são cristalinos e a resposta é categórica: não. E isso vale para todas as unidades federadas – sem exceção. Há diversas maneiras de comprovar essa afirmação.
Esta tabela oferece uma primeira resposta: as diferenças de desempenho dos alunos dentro de cada unidade federada mostram duas importantes realidades. Primeiro, não existe superioridade marcante das redes estaduais sobre as redes municipais. Segundo, não há consistência no desempenho das redes. Algumas redes estaduais são um pouco melhores do que as redes municipais nas séries iniciais, mas não o são nas séries finais, e vice-versa. O caso de Roraima (séries iniciais) é anômalo, pois praticamente inexistem escolas estaduais nesse nível de ensino.
O mesmo quadro mostra que existe diferença de desempenho entre o conjunto de redes estaduais e redes municipais de algumas Unidades Federadas. Apenas no Piauí essa diferença é superior a 20 pontos, mas cabe observar que naquele estado a rede estadual abrange menos de 10% do total de alunos desse nível de ensino. Nas demais comparações, as diferenças são pequenas e não consistentes – ora a rede estadual tem resultados superiores, ora inferiores.
Uma demonstração mais rigorosa se encontra nas Figuras 13 e 14. Elas apresentam a relação do desempenho médio de escolas estaduais e municipais em Matemática nas séries iniciais e finais respectivamente. Incluímos na análise apenas os municípios que possuem as duas redes. As notas são positivamente correlacionadas nas duas etapas de ensino, evidenciando que não existe superioridade de desempenho de uma rede sobre a outra.
Quanto à evolução das notas das duas redes ao longo do tempo também não é possível visualizar desempenhos significativamente diferentes e consistentes entre as redes de ensino. Há redes que melhoram mais do que outras. Esse dado sugere uma importante reflexão: se há tanta diferença no ritmo de mudança das diferentes redes e unidades federadas, isso possivelmente sugere que não existem fatores externos que estejam influenciando de maneira consistente o desempenho das diferentes redes de ensino. Em outras palavras: não existe evidência de uma política estadual consistente que estaria influenciando as redes municipais da respectiva unidade federada. Por outro lado, o que acontece entre os municípios dos diferentes estados e as diferentes redes estaduais também sugere a inexistência de impacto de quaisquer políticas a nível nacional seja em relação às redes estaduais seja em relação às redes municipais.
É preciso ter clareza sobre o que ocorre: há mudanças no resultado dos alunos na maioria das redes de ensino. A maioria das mudanças se dá na direção esperada, ou seja, para melhor. Mas o tamanho e ritmo das mudanças e a variação são muito grandes, seja dentro das duas redes de um mesmo município, seja entre as diversas redes de um mesmo estado, seja entre os estados. Há avanços, retrocessos e períodos de estagnação. É isso que os dados mostram. Eles também sugerem que existem forças que atuam no sentido de provocar melhorias. Essas forças tanto podem ser externas à escola como decorrentes de ações diversas, mas não configuram qualquer tipo de política ordenada. Há um conjunto de fatores – possivelmente externos à escola – que contribuem para estimular a melhoria das notas dos alunos nos vários níveis do ensino.
Mais uma vez, estamos diante de uma realidade em que inexiste qualquer vestígio de uma ação coordenada, de uma concertação ou “pacto” entre as unidades federadas. Os avanços convivem com uma variedade de iniciativas – por causa delas ou apesar delas.
Examinando o federalismo pelo lado dos resultados, parece não haver razão para preferir redes estaduais ou municipais, uma vez que o desempenho delas dentro de uma mesma unidade federada é muito semelhante.
Nesta série de posts, estamos examinando a realidade do “federalismo” na educação. Os dados referentes à divisão das matrículas entre as redes de ensino sugerem a inexistência de articulação entre estados e municípios na organização da oferta. Os dados referentes à qualidade das redes não indicam diferença significativa de qualidade entre elas. Isso significa que as redes estaduais não sabem fazer melhor do que as redes municipais. Se elas não fazem melhor nem dentro de casa, o que as credenciaria para criar modelos e normas para as redes municipais?
Por outro lado, a miríade de intervenções propostas e implementadas pelo governo federal nos últimos quarenta anos não produziu avaliações de impacto consistentes a respeito de sua eficácia para melhorar a qualidade ou a eficiência. O único avanço digno de registro se refere à redução das desigualdades de financiamento propiciado pelo FUNDEF/FUNDEB. Essas são questões que precisam ser examinadas ao se pensar em promover uma articulação ainda maior entre os entes federados.