Quem guarda os guardas? Este é um tema clássico da ciência política. O que assegura que a última instância não age de maneira arbitrária? Monarquias absolutas foram sendo substituídas paulatinamente pela criação de contrapesos. Constituição, parlamento, sistema judiciário, imprensa livre, sociedade civil vigorosa, população bem-educada, entre outros, constituem mecanismos limitados, mas essenciais, para assegurar equilíbrio do poder.
Em estados centralizados, em contraposição a estados federados, os governos centrais possuem maior latitude para cumprir suas funções. Mas isso não significa que tratam igualmente todas regiões ou indivíduos.
O grande desfio à eficiência reside no equilíbrio entre o comando central vs. descentralização e na autonomia das unidades regionais ou locais.
Em estados federativos e decentralizados, o desafio consiste na definição clara de funções de maneira a reduzir ao mínimo a necessidade de interações na execução das responsabilidades. Quanto mais nítidas, separadas e independentes as responsabilidades, maior a chance de sucesso.
Não existem soluções permanentes, nem perfeitas. E muitos dos arranjos institucionais existentes refletem condições históricas e culturais – o federalismo alemão difere do norte-americano que, por sua vez, difere do multicentenário modelo de cantões independentes da Suíça.
O modelo federalista brasileiro tem suas virtudes e defeitos, como qualquer outro. Na educação, as atribuições são bastante claras. As responsabilidades do governo federal são claras e distintas das responsabilidades dos demais. Há algumas superposições – por exemplo, o governo federal pode atuar e atua em todos os níveis de ensino, e o faz por meio dos Colégios de Aplicação, do Colégio Pedro II, dos colégios militares e dos Institutos Federais. Um município pode estabelecer seu sistema próprio de educação, mesmo que sua rede de ensino abranja apenas uma parcela ínfima da população escolar. Estados e municípios podem atuar no ensino fundamental – supostamente deveriam estabelecer um “sistema de colaboração”. Nada disso chega a se configurar como entrave para a operação da educação, exceto no sentido de que a indefinição do “sistema de colaboração” poderia limitar ações mais proativas entre estados e municípios. Mas, como vimos, não há nada que iniba iniciativas adequadas.
Do ponto de vista operacional, não parece haver problema com o modelo federativo – nosso problema federativo central é mais profundo e está relacionado ao descompasso entre atribuições, capacidade e recursos.
O governo federal possui legitimidade e acesso a meios, inclusive legais, para propor e promover medidas que poderiam ter grande alcance no desenvolvimento da educação. O governo federal também possui mecanismos formais de articulação com os governos estaduais, além de mecanismos sólidos, conquanto informais, de interlocução com representantes das instituições representativas de prefeitos, bem como com as secretarias de estados e municípios. Também possui instrumentos variados de repasse de recursos. Mas certamente não possui competência – no sentido substantivo da palavra – para lidar com a diversidade de problemas do país.
Problemas na federação há, e são graves e profundos, mas não parecem relacionados a dificuldades de interação entre os entes federados.
É possível que existam inúmeros instrumentos para aprimorar ou facilitar o relacionamento entre os entes federados – a questão é saber em que medida elas poderiam contribuir para aprimorar a eficácia das políticas públicas e, especialmente, a qualidade da educação.
Se é difícil imaginar em que um “Sistema Nacional de Educação” poderia contribuir para aprimorar a qualidade da educação, cabe indagar o que tanto motiva determinados grupos a promover a ideia de um tal sistema. Onde estariam as motivações para tal?
As motivações se encontram em documentos que vêm circulando há vários anos pelos proponentes da ideia, de resto prevista na legislação. Essencialmente, e em poucas palavras, as motivações são as mesmas que presidem a elaboração dos Planos Nacionais de Educação: assegurar a presença de setores organizados da sociedade na definição dessas políticas. Em sua essência, a proposta de criação de um sistema se refere a criar mecanismos para legitimar a participação de outros níveis da federação e de outras instituições da sociedade na formulação dessas políticas, inclusive no que diz respeito à alocação de recursos de uso discricionário do governo federal.
É clara a motivação de legitimar e ampliar a participação mais ampla nos processos de formulação de políticas públicas. Mas se torna evidente também o desejo de influir nas decisões que, segundo outros entendimentos, seriam próprios do governo federal.
Dado que existe pouca ou nenhuma necessidade de interação entre os entes federados na implementação das políticas públicas – especialmente na operação escolar, torna-se cristalina a real motivação subjacente à proposta de se criar um “sistema’.
Há muito que aprender da experiência com a formulação de políticas nacionais de educação. O Brasil já elaborou vários planos. Nenhum deles alcançou seus objetivos. O atual Plano Nacional de Educação, que vigora até 2024, está fadado ao mesmo destino dos seus predecessores. Uma das características desses planos é o seu irrealismo, tanto do ponto de vista da adequação dos meios aos fins quanto da sua viabilidade, especialmente econômica. Isso, em grande parte, resulta do próprio formato e processo utilizado para sua elaboração.
De certa forma, a elaboração da BNCC- Base Nacional Curricular Comum – é outro exemplo. É possível que as principais medidas necessárias para fazer a educação funcionar residam menos no processo de discussão e elaboração de planos e mais na qualidade, pertinência e viabilidade dessas ideias.
É difícil imaginar que um sistema nacional de educação seja necessário para que os entes federados realizem suas atribuições de maneira democrática e participativa. Mas é sobretudo difícil imaginar como um tal sistema, proposto nos moldes em que vem sendo veiculado, poderá contribuir para melhorar a qualidade das decisões educacionais.