A mensagem oculta nos filmes nada inocentes de Wes Anderson na Netflix
‘A Maravilhosa História de Henry Sugar’ e mais três outros curtas do cineasta exploram o lado sombrio da humanidade — e da obra do controverso Roald Dahl
Não se engane pelos tons pastel e os cenários oníricos dos filmes de Wes Anderson. O cineasta de estética peculiar, que vira e mexe é reproduzida por inteligência artificial, no fundo, no fundo, faz filmes sombrios, com temáticas que passam longe da inocência infantil de suas cenas coloridas. Da ascensão do fascismo em O Grande Hotel Budapeste à depressão e o suicídio em Os Excêntricos Tenenbaums, os motes sensíveis presentes no cinema do diretor americano ganharam novos e excelentes exemplares na leva de quatro curtas lançada por ele na Netflix. Baseado em contos menos conhecidos do autor galês Roald Dahl (1916-1990), os filmes A Incrível História de Henry Sugar (com 39 minutos), O Cisne (17 minutos), O Caçador de Ratos (17 minutos) e Veneno (17 minutos) são uma reviravolta bem-vinda na narrativa já manjada de Anderson – ao mesmo tempo em que podem ser lidos como uma alfinetada no amado autor infantil, criador de A Fantástica Fábrica de Chocolates e Matilda. Antissemita e racista, Dahl é parte do elenco de escritores problemáticos e populares do passado que estão ganhando revisões específicas de sua obra, limando termos comprometedores.
Anderson, porém, explora todos os lados do autor – de sua genialidade envolvente para contar histórias aos seus preconceitos tenebrosos. Mesclando cenários teatrais em movimento e atores famosos e excelentes, os filmes são contados como uma leitura imersiva dos contos, com direito a presença de um personagem representando o próprio Dahl, interpretado por Ralph Fiennes. Enquanto o primeiro filme, com Benedict Cumberbatch, Dev Patel e Ben Kingsley, é mais leve e cômico, sobre um vigarista insaciável por dinheiro, os três curtas que o seguem são dramas intensos e hipnotizantes, com finais explosivos. O Cisne narra as dores de um garoto vítima de bullying. O Caçador de Ratos retrata um homem asqueroso especializado na caça de pequenos roedores. Já Veneno observa um homem inglês rico (Cumberbatch novamente) imóvel e aterrorizado por uma cobra venenosa em sua cama.
Veneno traz a alfinetada mais ácida e óbvia no autor. Representando o imperialismo britânico sobre a Índia, o homem que teme por sua vida conta com a ajuda de um empregado e um médico indianos, os quais, quando mostram que o inglês está livre de perigos, recebem em retorno xingamentos racistas. A abordagem ousada e incômoda mostra que o preconceito não pode ser apagado como se não existisse — mas sim, combatido por todos na sociedade: inclusive por cineastas que observam a crueldade humana sob tons pastel.