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A surpresa vivida por Vera Holtz em set de filme: ‘Menstruei aos 63’

Atriz veterana relança filme documental biográfico que revisita memórias de sua infância com suas três irmãs

Por Kelly Miyashiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 13 Maio 2024, 22h30 - Publicado em 29 ago 2023, 08h00

Aos 70 anos, a atriz Vera Holtz relança em algumas sessões especiais do cinema As Quatro Irmãs (2019), filme documental dirigido por Evaldo Mocarzel no qual a artista revisita memórias da infância ao lado de suas três irmãs, Tereza, Rosa e Regina. Entre traumas e lembranças afetuosas, Vera atua de forma tocante ao interpretar seus pais e as próprias irmãs em algumas das cenas. A atriz falou a VEJA sobre o processo criativo da obra e revelou uma situação inusitada nos bastidores, envolvendo uma menstruação aos 63 anos.

O longa As Quatro Irmãs será exibido em sessões únicas com a presença da atriz para um bate-papo após a exibição em 29 e 30 de agosto no Rio de Janeiro e em Niterói, respectivamente, e também está disponível nos serviços on demand da Claro TV+ e Vivo Play. Em breve, o título entra nos catálogos da Apple TV e da Google TV.

As Quatro Irmãs faz um resgate tocante sobre a sua infância e a sua família, e a senhora discorre sobre os truques da memória com o passar do tempo. Qual seria a causa disso? Eu sempre tive uma questão com memória, porque essa coisa de gravar muito, cada hora estar em um lugar, interpretando um personagem diferente afetou muito a minha memória. No filme eu acordo e não sei se tô no Rio, São Paulo, Mongaguá. E preciso de um tempo para me localizar. E sempre tive problema com a minha memória real, porque vivi durante muito tempo no mundo do ficcional. 

Como é revisitar os traumas da sua infância, principalmente episódios de violência envolvendo seu pai, que chegou a agredi-la quando menina? É engraçado quando você começa a tocar em algumas memórias e determinados assuntos. Quando começamos a fazer o filme, eu não tinha a menor ideia de que aquilo estava ainda latente em algum lugar daquela Vera Lúcia. E decidimos falar sobre isso porque é importante, também faz parte da Vera Lúcia. É óbvio que minha relação com papai, depois, foi maravilhosa, ele me ensinou a ter independência, falava: ‘Primeiro se forma, depois casa’. Ele sempre foi um homem bem pra frente criando quatro mulheres. Queria nos dar autonomia, mas, quando a gente começou a discutir sobre isso, vi que ainda tinha algumas questões que de alguma forma alavancaram a minha vida. Saí de Tatuí para viver em outro lugar, porque você não quer viver sob essa família austera, mas amorosa, que é a minha família. Então eu não queria mais viver sob aquele guarda-chuva do Zé Carlos (pai da atriz), que me proibia de fazer as coisas. Ele tentava, de alguma forma, moldar aquela criança. E não acho que era possível moldar aquela menina. E é louco pensar que meu pai, para mim, para Rosa, Tereza e Regina, são pais diferentes, porque cada uma de nós teve um ponto de vista sobre aquela figura paterna. 

E sobre a sua mãe? Ela também brigava bastante com a senhora, certo? Mas mãe a gente sempre perdoa, né? A minha era uma italiana divertida e muito presente, ficava em casa com a gente.  

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A senhora também reflete sobre a maternidade e o matrimônio de uma forma melancólica e serena. Se arrepende de não ter se casado nem se tornado mãe? Filho eu nunca quis ter mesmo, mas, quando a gente fez esse documentário, tivemos um fenômeno, não sei se porque eu estava fazendo reposição hormonal ou não na época, mas eu realmente menstruei, aos 63 anos — época em que filmamos. Eu estava na cozinha, fazendo uma cena de diálogo com meus pais, e isso irrompeu em uma menstruação, começou a pingar sangue. Mas o que foi interessante naquele momento foi entender do feminino, da menstruação, do que nos diferencia. O fato óbvio de que uma pessoa que menstrua tem óvulos, filhos, continuidade, ancestralidade. Eu casei várias vezes, mas não oficialmente, sem repetir o comportamento-modelo de mulher, sempre rompi com isso. Mas não porque eu queria, e sim porque era da minha natureza curiosa, de sempre partir, sanando uma curiosidade gigantesca que até hoje eu tenho. 

A senhora gosta de fazer publicações artísticas nas redes sociais, mas deixou de fazê-lo desde janeiro. Por quê? Eu parei de postar porque comecei a fazer uma peça chamada Ficções e, quando você muda a sua plataforma – é muito doido isso –, porque o teatro me absorveu de tal forma, e eu não tava em São Paulo, fiquei viajando para o Rio e para Belo Horizonte. Em São Paulo eu tenho um espaço de criação e produção. Então eu não tinha esse lugar, mesmo que eu tivesse a ideia, não tinha lugar pra produzir, porque tava em trânsito e viajando pelo mundão. A energia de viagem é muito forte, de uma peça também, ainda mais uma peça que fala de homo sapiens. Então foi uma mudança só de plataforma, de criação. Daqui a pouco volto a fazer. Comecei a fazer as fotos para o Instagram na mesma época do filme, eu tava começando a remexer esse lugar das artes plásticas, da Vera Lúcia, da minha formação em artes plásticas. 

O Brasil perdeu a grande Aracy Balanabian, e as senhoras eram amigas. Como foi sentir essa perda? É curioso porque foi no dia do meu aniversário. Eu fiquei primeiro em silêncio. A Aracy era uma pessoa tão alegre, brincalhona, e nós duas tínhamos uma coisa, quando estávamos juntas a nossa energia tinha uma vibração diferente, boa, de brincar. E a Aracy sempre falava: ‘E a vida continua’. Ela levantava os braços quando acordava e falava: ‘Eu quero ir embora, mas a vida, a vida continua’. Aí, conversando com ela, no meu coração, pensei que só posso oferecer para ela a nossa alegria, que foi o que vivemos juntas, sempre. Eu visitava a Aracy quando estava no Rio, éramos muito amigas. Então fiquei supersentida. Foi um dia para entender que a vida continua. Dedicamos a sessão de Tatuí a ela e à minha irmã Tereza, que também já partiu deste plano.

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