‘Agente Stone’ e mais: a lógica da aposta da Netflix em filmes de ação
Protagonizado por uma implacável Gal Gadot, o longa reforça o império do gênero na plataforma
A agente Rachel Stone é mais poderosa do que dá a entender. Novata no MI6, agência de inteligência britânica, ela se comporta como uma recruta recém-inserida no universo da espionagem, ainda carente da malícia e das habilidades físicas e técnicas necessárias para o trabalho. Por trás da pose de iniciante, porém, há uma mulher extremamente versada no combate e muito bem treinada por uma organização secreta que atua nas sombras das agências oficiais, resolvendo crises em que nem mesmo o alto escalão do governo foi bem-sucedido. Para isso, Rachel e seus companheiros são guiados por um sistema capaz de hackear tudo e todos, traçar rotas de fuga, calcular probabilidades e indicar as ações mais adequadas para o desfecho desejado. Lançado na Netflix nesta sexta-feira, 11, o eletrizante Agente Stone traz Gal Gadot como a protagonista que luta para que o sistema chamado de “coração” não caia nas mãos erradas e seja vertido em uma arma perigosa.
Rodeado de expectativas, o longa reforça a aposta da Netflix no filão da ação, gênero que assumiu a dianteira da guinada pop empreendida pela plataforma nos últimos anos. Focada, inicialmente, em séries dramáticas aclamadas, como The Crown e House of Cards, e em filmes “diferentões” como Roma, a Netflix colocou o prestígio cult em segundo plano e entrou de cabeça no universo dos blockbusters explosivos, que são sucesso de público nos cinemas. A estratégia deu resultado no streaming: entre os filmes de língua inglesa mais populares da plataforma, ao menos seis entre os dez primeiros se encaixam no gênero de ação e aventura. O líder absoluto, Alerta Vermelho, lançado em 2021 e também protagonizado por Gadot (leia entrevista abaixo), narra a disputa de dois ladrões (e da polícia) por relíquias egípcias e acumula 230,9 milhões de reproduções.
A regra é não ter regras: A Netflix e a cultura da reinvenção
A fórmula do sucesso tem paralelos com a febre dos super-heróis e, em muitos casos, compartilha dos mesmos rostos: protagonizados por um clubinho de figuras carismáticas, os longas têm em comum tramas de fácil digestão e um ritmo dinâmico que prende o público ao sofá, reforçando o boca a boca sobre os títulos. Os temas são diversos e reúnem clichês de apelo do gênero. Em A Mãe (2023), Jennifer Lopez é uma assassina de aluguel na mira de criminosos. Já Ryan Reynolds, que vive um ladrão de artes em Alerta Vermelho, aparece em O Projeto Adam (2022) como um homem de meia-idade perdido na vida que viaja no tempo para salvar o mundo e sua amada. Entre os heróis e vilões estão ainda Chris Hemsworth, Chris Evans e Dwayne Johnson.
Além do apelo publicitário que os astros carregam, atraindo por si sós uma parcela considerável de público, a aposta da Netflix em rostos conhecidos tem ainda motivo técnico: por causa das cenas intermináveis de luta e perseguições, é preciso que os atores tenham habilidades físicas desenvolvidas — por isso, reciclar astros da Marvel ou da DC, que já se colocaram na pele de super-heróis, facilita o processo. A israelense Gal Gadot, por exemplo, se tornou com Mulher-Maravilha uma estrela feminina indispensável em um gênero geralmente dominado por homens. Ela tem treinamento militar dos anos em que atuou pelo Exército israelense, e mesmo assim enfrentou meses de preparação física para Agente Stone.
O bom desempenho dos filmes de ação vem em um momento oportuno para a Netflix. Nos últimos meses, a empresa passou por um processo de reformulação que, entre outras coisas, inseriu fiscalização e cobrança extra para aqueles que compartilham a conta com pessoas de fora da residência. No furor da transição, muitos acreditavam que a decisão derrubaria o número de usuários, mas o efeito foi o contrário: no segundo trimestre deste ano, a Netflix ganhou 5,9 milhões de assinantes. O aumento demonstra que a plataforma segue poderosa no mercado e que o conteúdo original, agora impulsionado pela ação, agrada aos espectadores. Isso, claro, não é uma surpresa: historicamente, o público médio é um exímio consumidor do gênero. Segundo um levantamento do site The Numbers, entre 1995 e 2023 os filmes de ação e aventura foram responsáveis por 49% da bilheteria da América do Norte. Ao escolher a ação como carro-chefe, portanto, a Netflix aposta na segurança.
Mas alimentar esse império exige mão aberta. Dirigido pelos irmãos Russo, responsáveis pelo sucesso avassalador de Vingadores: Ultimato (2019) e Guerra Infinita (2018), Agente Oculto (2022) é apontado como o filme mais caro da plataforma, com orçamento de 200 milhões de dólares. Alerta Vermelho, com custo similar, deu tão certo que já tem uma sequência confirmada, seguindo os passos de O Resgate, de Chris Hemsworth, que já vai para o terceiro longa. Os altos investimentos, porém, não contradizem a mentalidade mais pé no chão da Netflix pós-crise. Ao contrário: apostar no certo dá à plataforma a chance de investir vez ou outra em filmes que são “material de Oscar”, como o alemão Nada de Novo no Front, que levou quatro estatuetas neste ano. É, sem dúvida, uma guinada esperta.
“Não dá para fingir ter força”
A atriz Gal Gadot falou a VEJA sobre os desafios de ser heroína de ação.
Em Agente Stone, você protagoniza uma trama de espionagem. Como mulher, como é ocupar esse lugar? Posso falar a partir da minha experiência. Esse era um filme que eu queria muito fazer, e ganhei confiança para isso só após o sucesso de Mulher-Maravilha.
Por quê? Percebi que há um público interessado em trabalhos assim, desde que você conte uma boa história universal.
Como foi a preparação para as cenas de ação e luta? Foram meses de treinamento com as melhores equipes. É algo que dá muito trabalho. Não dá para fingir ter força; você realmente precisa construir isso.
A Mulher-Maravilha e a Rachel de Agente Stone têm algo em comum? A Mulher-Maravilha é a versão que criamos num universo ficcional, e a Rachel é um ser humano real. Ambas lutam por justiça e são guiadas pela humanidade e pelo amor.
Publicado em VEJA de 11 de agosto de 2023, edição nº 2854
*A Editora Abril tem uma parceria com a Amazon, em que recebe uma porcentagem das vendas feitas por meio de seus sites. Isso não altera, de forma alguma, a avaliação realizada pela VEJA sobre os produtos ou serviços em questão, os quais os preços e estoque referem-se ao momento da publicação deste conteúdo.