‘Alien: Romulus’: o homem que deu um banho de loja na franquia clássica
O veterano Ridley Scott confiou sequência ao diretor uruguaio Fede Alvarez — decisão sábia que leva mais pavor à tela
O ponto de partida de Alien: Romulus faz jus ao que se espera de mais um capítulo — o nono — da longeva franquia do horror lançada por Ridley Scott em 1979. Uma astronauta tenta fugir de uma ameaça letal, assalta uma nave e tenta zarpar para outro canto de uma estação espacial — mas, na cabine de comando, não tarda a cair no chão, contorcendo-se. Seus ossos se fraturam e o peito incha, não deixando dúvida: um bebê alienígena está prestes a irromper de seu tórax — o que rende mais uma daquelas clássicas cenas que fazem a delícia dos fãs. Só que há atrativos adicionais capazes de redobrar o deleite do público. Até para os padrões da saga, impressiona a abundância de sangue e de tripas que enchem a tela com grafismo, vá lá, virtuoso. Feito de modo artesanal e à moda antiga, com o uso de bonecos animatrônicos em vez de efeitos de computador, o próprio E.T. revela-se mais palpável. Eis os toques espertos que indicam a presença de uma nova criatura na espaçonave de Alien: o diretor uruguaio Fede Alvarez.
Alien, o Oitavo Passageiro [Blu-Ray]
Enquanto outras franquias pop do terror se esgotam e viram piadas de si mesmas, Alien manteve a dignidade graças aos cuidados de Ridley Scott. O criador voltou a assumir seu leme pessoalmente em Prometheus, de 2012, e em Covenant, de 2017. Desta vez, topou se resguardar ao papel de produtor e abrir alas ao uruguaio — não só por considerar que Alvarez tinha a experiência necessária para não ser moído pela engrenagem de uma superprodução, mas por certas credenciais específicas. Aos 46 anos e com os afiados O Homem das Trevas 1 e 2 no currículo, Alvarez vem se notabilizando como reinventor de franquias do terror que precisavam de uma recauchutagem, como O Massacre da Serra Elétrica e A Morte do Demônio — longa pelo qual conquistou, em 2013, o recorde de maior quantidade de sangue falso já utilizada num filme.
Alien: A História Ilustrada – Walter Simonson e Archie Goodwin
Artífice do “terror farofa” cultuado pela geração Z, Alvarez dirige pensando na diversão, e não em elementos profundos. Ele reconhece os debates filosóficos em torno do ser nascido há 45 anos com Alien, o Oitavo Passageiro. “É verdade que ele carrega símbolos da agressão masculina”, disse a VEJA. Mas esclarece ser “um cara da baixa cultura” sem remorsos. Sua meta era trazer a franquia — que já teve diretores do calibre, de James Cameron e David Fincher — de volta às raízes. Recrutou atores jovens (como a protagonista Cailee Spaeny, 26 anos), a equipe de efeitos dos anos 1980 e advogou em prol de animatrônicos. Como resultado, Romulus traz sequências mais apavorantes que as últimas encarnações de Alien. O novo passageiro não é só craque: é um verdadeiro carrasco uruguaio.
Publicado em VEJA de 16 de agosto de 2024, edição nº 2906