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‘Armageddon Time’ observa o antissemitismo pelos olhos de uma criança

O diretor James Gray relembra sua infância nos anos 80 e reflete sobre as dores causadas por um passado que continua muito presente

Por Marcelo Canquerino Atualizado em 4 jun 2024, 11h19 - Publicado em 12 nov 2022, 08h00
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  • Aluno do 6º ano, Paul (Banks Repeta) está mais preocupado em fazer um desenho zombando do professor do que em prestar atenção na aula. Pego em flagrante, ele logo é abandonado pelos colegas que riram da caricatura, mas recebe apoio de Johnny (Jaylin Webb), um dos poucos garotos negros do colégio. Ambos ficam de castigo e a amizade entre eles começa. O laço genuíno da infância será testado pela penca de preconceitos dos adultos ao redor: do racismo abjeto que atinge Johnny ao antissemitismo que assombra a família judia de Paul. Através dos olhos ainda inocentes do garoto, o diretor e roteirista James Gray observa a própria infância no filme Armageddon Time (Estados Unidos e Brasil, 2022), em cartaz nos cinemas. Ao olhar para o passado, o cineasta de 53 anos acabou encontrando um incômodo espelho para os dias atuais.

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    Em um período de transformação política e cultural no Queens, em Nova York, na década de 80, o jovem encara as dores e as alegrias do amadurecimento sob regras sociais que ainda lhe são estranhas. A começar pela relutância de seus pais, Irving (Jeremy Strong) e Esther (Anne Hathaway), em aceitar a amizade dele com um garoto negro. Paul é afastado de Johnny ao ser matriculado em um colégio particular. Ali, o jogo vira: o menino é menosprezado por ser judeu pelo presidente do conselho escolar — no caso, Fred Trump (1905-1999), pai de Donald Trump. “Os valores transmitidos nessa escola ainda são propagados nos Estados Unidos de hoje”, disse o brasileiro Rodrigo Teixeira a VEJA, produtor do filme e amigo de longa data do diretor — a dupla fez também Ad Astra (2019), com Brad Pitt.

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    O sopro de doçura e sabedoria vem de Aaron, avô materno de Paul (vivido pelo ótimo Anthony Hopkins). Enquanto a nova geração aspira de forma cega ao “sonho americano”, o idoso não deixa o passado ser apagado. Seus pais foram para a Inglaterra fugidos da Ucrânia, região de conflitos constantes, seja contra soviéticos, seja contra nazistas — e, atualmente, contra a Rússia. Mesmo em um mundo de paz aparente, Aaron é realista: o antissemitismo é uma praga resistente. O avô vê Johnny com empatia, pois sabe como é ser vítima de preconceitos. Tanto sabe que Aaron diz, com estranho tom de alegria e resignação, que o sobrenome de Paul, Graff — uma abreviação do nome da família —, é ótimo pois não soa judeu. Esconder quem ele é virou um método de sobrevivência. É com choque e ternura que James Gray retrata o avô — ao mesmo tempo que expõe de forma patente as feridas que ainda pulsam em um mundo que não mudou tanto assim.

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    Publicado em VEJA de 16 de novembro de 2022, edição nº 2815

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