‘Avatar: O Caminho da Água’: a nova revolução de James Cameron
Com efeitos deslumbrantes, o diretor faz um mergulho literal numa velha bandeira: a proteção da natureza
O cineasta James Cameron pode se orgulhar de números imponentes em seu currículo. Para começar, é dele a maior bilheteria da história — um feito alcançado com Avatar, de 2009, filme que somou 2,9 bilhões de dólares e revolucionou o modo de fazer cinema, com cenas em 3D hiper-realistas. A terceira maior bilheteria também está na conta de Cameron: o estrondoso Titanic, de 1997, que fez 2,2 bilhões de dólares — espremido entre ambos, no segundo lugar, estão os heróis de Vingadores: Ultimato, com 2,7 bilhões. Combinando popularidade com prestígio, o diretor canadense ainda ostenta três estatuetas do Oscar, além de setenta outras honrarias concedidas pela indústria cinematográfica. Cameron, contudo, prefere se gabar de outro marco um tanto curioso: ao longo de seus 68 anos, ele já passou mais de 5 000 horas debaixo d’água — o equivalente a sete meses, se o tempo for contado de forma corrida. A paixão o levou ainda a uma viagem recorde: atingiu o ponto mais fundo dos oceanos, a Fossa das Marianas, a 10 984 metros da superfície, no Pacífico. “O oceano é a minha igreja. Quando estou submerso, me sinto em comunhão com a natureza”, disse o diretor a VEJA (leia a entrevista).
A entrevista em questão ocorreu em Londres, pouco depois da primeira exibição para a imprensa mundial de Avatar: o Caminho da Água (Avatar: The Way of Water; Estados Unidos; 2022), aguardada sequência do longa de 2009, que entra em cartaz no Brasil na quinta 15. Como sugere o título, a notável intimidade de Cameron com o mundo aquático é transportada para as cenas da superprodução, em uma extravagância cinematográfica orçada em 350 milhões de dólares. Para se pagar — e dar carta branca ao plano do diretor de encerrar a história com cinco filmes —, O Caminho da Água precisa repetir os famigerados 2 bilhões de dólares em bilheteria, fronteira que Cameron já cruzou duas vezes, mas se tornou um tanto mais desafiadora na atualidade.
Para além da crise que assola o cinema — ainda em recuperação financeira após a pandemia, período no qual as salas foram fechadas ao redor do mundo —, a distância de treze anos que separa Avatar da sequência é, em mais de um sentido, dramática. As técnicas em 3D, aprimoradas no início dos anos 2000 pelo próprio diretor, se tornaram lugar-comum. Assim como as narrativas fantasiosas, especialmente em universos fictícios gigantescos, como os desenvolvidos pela Marvel e por Star Wars. Avatar, então, se vê diante de uma missão espinhosa: a saga dos alienígenas azuis do planeta Pandora deve provar que ainda tem relevância e, no caminho, conquistar novos fãs — especialmente aqueles que usavam fraldas na época do lançamento do primeiro filme.
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Para isso, Cameron tem algumas armas nada secretas. Uma delas é a renovação do elenco, com jovens e adolescentes que dominam a trama interpretando os filhos do casal protagonista Jake Sully (Sam Worthington) e Neytiri (Zoe Saldana). Também agrega valor à atualidade da bandeira que o diretor vem levantando ao longo de toda sua vida — e que se sintoniza com o ideário da geração Z: a preservação da natureza, um tema cada vez mais urgente. Para arrematar, o canadense obteve êxito de novo naquilo que faz de melhor: o desenvolvimento de técnicas e câmeras capazes de levar a experiência cinematográfica a um novo patamar. No caso, transmitir para o público, de forma notável e envolvente, o deslumbre da vida no fundo do mar. “Ninguém fez, até hoje, captura de movimento de atores embaixo d’água. Somos as cobaias”, brinca Worthington, sobre a técnica em que pessoas reais são filmadas e, depois, transformadas em outros seres a partir de elaborados efeitos especiais.
A obstinação de Cameron em subir sempre mais um degrau técnico no modo de fazer cinema, numa mistura das vocações de cineasta e engenheiro (ele, aliás, não tem formação acadêmica em nenhuma das áreas), empurra os atores a evoluir junto com ele. No primeiro filme, o elenco se embrenhou por florestas no Havaí para entender como seria a vida de um Na’vi, a espécie de tez azulada de Pandora — planeta fictício que faz brilhar os olhos dos terráqueos com suas riquezas naturais. O tema do roteiro, então, era a exploração desenfreada do meio ambiente em prol do lucro, que atropelava o lar dos povos originários de Pandora — uma clara alusão ao desrespeito histórico com as terras indígenas ao redor do mundo. Agora, estrelas hollywoodianas tiveram treinamento especial para atuar num gigantesco tanque de 3 milhões de litros de água, com direito a aulas para segurar a respiração pelo maior tempo possível. Kate Winslet, que trabalhou com Cameron em Titanic, estreia no universo de Avatar com o recorde entre os atores no mergulho em apneia: a atriz bateu sete minutos sem respirar. A veterana Sigourney Weaver ficou em segundo, com longos seis minutos. Amiga e atriz favorita do diretor, Sigourney interpretou Grace, a cientista que desenvolveu os avatares do primeiro filme — corpos biológicos que emulam os Na’vis e se conectam à mente de humanos. A morte de Grace ao fim de Avatar não impediu Cameron de reescalar Sigourney. No novo filme, aos 73 anos, ela interpreta Kiri, uma adolescente de 15. A decisão mostra que o diretor não só tem moral para fazer o que bem quiser, como dispõe da tecnologia para isso: no universo de Avatar, atores e atrizes estão livres das amarras de idade, cor e gênero. Outro caso é o de Lo’ak, filho de Jake Sully e Neytiri: na infância, o personagem é interpretado pela garota negra Chloe Coleman e, na adolescência, pelo jovem rapaz branco Britain Dalton.
Despontando como novo protagonista, Lo’ak é o segundo filho do casal e o mais inconsequente do clã. Em uma de suas aventuras proibidas, ele cria laços de amizade com uma Tulkun, espécie aquática que emula as baleias da vida real. Quando a liderança de Jake Sully contra a constante investida exploratória dos humanos em Pandora coloca seu povo em perigo, ele e a família viajam pelo planeta em busca de outro lar. O local eleito é Metkayina, aldeia estabelecida em um arquipélago e liderada por Ronal e Tonowari (Kate Winslet e Cliff Curtis). Ao contrário dos Na’vi da floresta, estes desenvolveram uma anatomia próxima à dos anfíbios, em resposta ao hábito de viver entre o mar e a terra. “O Caminho da Água é sobre família, a de sangue, mas também aquela que escolhemos. É sobre a vida em comunidade e no meio onde estamos”, diz Worthington. O novo clã é inspirado nos maoris, povo aborígine neozelandês — uma homenagem de Cameron ao país onde se estabeleceu com a esposa e os filhos e está rodando as sequências de Avatar. As próximas estão previstas para estrear em 2024, 2026 e 2028.
Se a água é o ambiente que leva o diretor a uma ligação especial e até espiritual com o planeta, é entre indígenas que ele sente uma conexão com as raízes do que é ser humano. O sucesso de Avatar levou Cameron a visitar tribos ao redor do mundo e a apoiar causas ligadas a elas. No Brasil, ele recebeu uma homenagem especial dos caiapós. O cacique Raoni concedeu até um nome especial ao canadense: Kapremp-ti, traduzido como “homem forte da aldeia” — título conquistado pelo diretor por seu apoio contra a desapropriação de área indígena para a construção do complexo hidrelétrico de Belo Monte, no Pará. “É a mesma história de Avatar”, diz o cineasta. A magia do cinema nunca foi tão real.
Publicado em VEJA de 14 de dezembro de 2022, edição nº 2819
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