Em novo terror, Ursinho Pooh abandona fofura e abraça até canibalismo
Após entrar em domínio público, o personagem da literatura britânica foi reimaginado pela equipe desta grotesca versão — que enoja, mas não assusta
No paradisíaco Bosque dos 100 Acres, o pequeno Christopher Robin encontrou amigos animalescos capazes de falar: Pooh, Leitão, Tigrão, Ió e mais doces criaturas perfeitas para preencher a solidão de uma criança no campo, com as quais o menino podia conversar, brincar e comer guloseimas. A vinda do amadurecimento, porém, logo convocou o jovem ao mundo dos adultos, e deixou os companheiros ao léu. Até aí, a sinopse é a mesma que o tocante Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível (2018), mas logo toma uma curva íngreme. Cinco anos depois do filme da Disney, as histórias do Ursinho Pooh criadas por A. A. Milne entraram em domínio público, e assim o realizador Rhys Frake-Waterfield decidiu unir o conto de fadas a sua assinatura de violência grotesca e terror B, dando origem a Ursinho Pooh: Sangue e Mel — já em cartaz nos cinemas brasileiros.
Nesse enredo, os animais mágicos enfrentam um inverno severo após a partida de Christopher (Nikolai Leon), e não conseguem mantimentos para sobreviver. Desesperados, encontram uma solução à moda Yellowjackets: decidem assassinar e canibalizar o pobre Ió, ideia suficiente para destruir a psique do grupo. Vingativos, eles renunciam à humanidade, param de falar e decidem que sua missão maior é assassinar o jovem que os deixou. O menino, porém, é apenas a primeira fonte de sangue humano que agracia os brutamontes meio gente, meio bicho, Pooh (Craig David Dowsett) e Leitão (Chris Cordell) — únicos personagens clássicos do filme, que deixa a desejar no quesito Tigrão psicopata ou Corujão homicida. Sommeliers de hemoglobina, eles então passam a aterrorizar um grupo de jovens mulheres que viaja para uma casa no Bosque a fim de limpar a mente de Maria (Maria Taylor), sobrevivente de um stalker de seu passado.
O que move a narrativa é o comprometimento à piada fácil, que ousa imaginar o que aconteceria se contos infantis e a brutalidade explícita do cinema de assassinos se encontrassem. É o mesmo chavão do seriado animado Happy Tree Friends, protagonizado por adoráveis bichos sanguinolentos, ou de paródias dos anos 2000 como Deu a Louca em Hollywood (2007), no qual Willy Wonka tortura e decapita inocentes. Sangue e Mel, porém, tem pouco traquejo cômico para elevar seu artifício, ou no mínimo sustentar o ridículo, e logo abandona os referenciais claros à história da Disney para ser um terror genérico e barato dedicado a torturar mulheres cartunescas, no que é uma clara tentativa de reproduzir o sucesso recente da franquia Terrifier, abraçada por um público de nicho devido à ultraviolência esbanjada.
Aqui, o rabo de Ió é usado como chicote, uma jovem é pregada à parede por um facão, uma cabeça explode sob um pneu e Pooh regurgita mel em suas vítimas, mas nada chega ao nível de pantomima de outros títulos mais ousados, em que o corpo humano é apavorado e retorcido de maneiras inacreditáveis, chocantes e, logo, divertidas. Sangue e Mel habita o lugar-comum mais baixo do cinema de horror, ciente de que sua premissa é o bastante para atrair curiosos. Falta esforço nos efeitos especiais e perseguições, assim como falta qualquer tensão ou humanidade. Já, por outro lado, sobra misoginia no retrato de personagens femininas regadas a biquínis e decotes, pedaços de carne cuja função é acabar nas mãos dos grandes algozes.
Ser levado a sério ou elogiado, porém, dificilmente era o objetivo de Frake-Waterfield ao criar o projeto. Sangue e Mel não possui qualquer mérito distintivo para tal, mas deve entrar no cânone de filmes lembrados com nojo e fascínio, geralmente vistos em festas do pijama. Confiante nisso, o cineasta já anunciou uma sequência e roteirizou, também, O Pesadelo da Terra do Nunca de Peter Pan, no qual o pó mágico certamente será diferente. Se a chave do sucesso é a pouca qualidade, esse universo cinematográfico deve ter um grande futuro.