O texto a seguir contém spoilers do filme O Mundo Depois de Nós e do livro no qual ele foi baseado
Uma família nova-iorquina aluga uma bela casa na praia. O fim de semana de paz é interrompido por dois estranhos que, no meio da noite, batem à porta e alegam que são os donos da residência — e que precisam dormir ali já que a cidade foi acometida por um blecaute. Este é o cerne de O Mundo Depois de Nós, livro do americano Rumaan Alam, publicado no Brasil pela editora Intrínseca, e que deu origem ao filme de mesmo nome, novidade da Netflix. O thriller apocalíptico vem angariando desde elogios até sentimentos de revolta por seu final um tanto aberto. Confira a seguir explicações sobre o que ficou no ar na produção com Julia Roberts, Mahershala Ali, Ethan Hawke e Myha’la Herrold.
Racismo velado
O termo racismo não é dito no filme, mas é o preconceito que faz Amanda, personagem de Julia, se estranhar com os visitantes noturno. Vividos por Mahershala Ali e Myha’la Herrold, George e Ruth estão dizendo a verdade sobre serem os donos da casa, mas, como são negros, Amanda desconfia da alegação. É o racismo também que faz com que ela despreze Ruth, jovem temperamental que não se intimida diante da mãe de família branca mandona. No livro, Ruth não é a filha de George, mas sim sua esposa, e ambos são mais velhos que Amanda e o marido, Clay (Hawke).
A razão do apocalipse
Em entrevista à revista Variety, o autor Rumaan Alam falou sobre porque decidiu deixar em aberto as razões para o caos. Para ele, o leitor ou espectador devem experimentar juntos com os protagonistas o pânico das incertezas. “Seria um ataque cibernético, um ato de guerra ou um desastre ambiental que causou o colapso da civilização? Por isso é tão assustador, não saber é assustador”, disse ele. O filme vai além do livro e sugere que a hipótese mais plausível é a de uma invasão hacker de proporções gigantescas, que afeta todo o sistema de comunicação, orientação e eletricidade do planeta. O evento seria catastrófico por razões diversas. A começar por toda a estrutura do capitalismo, o funcionamento da bolsa de valores e dos bancos. Aviões, barcos e carros inteligentes perderiam o rumo, causando acidentes. A segurança em geral se tornaria inexistente. “Algumas pessoas haviam começado a perceber que tinham uma fé ingênua no sistema. Outras tentavam realizar a manutenção do sistema (…). O líder do mundo livre estava isolado na Casa Branca, mas ninguém ligava para ele”, diz um trecho do livro.
Animais agindo fora do comum
Assim como no filme, os personagens do livro ficam confusos com os cervos se agrupando em bandos gigantescos na floresta ou de flamingos, do nada, surgirem na piscina da casa. Segundo o livro, os cervos começaram a se unir aos demais numa migração em massa, em resposta a um desastre. Já os flamingos deveriam ser fugitivos de um zoológico ou da casa de um ricaço excêntrico, em razão da falta de cercas elétricas que poderiam limitá-los. Os animais ainda sugerem um paralelo para os humanos, também animais, que se desestabilizam diante de mudanças drásticas – ao contrário dos cervos e dos flamingos, que se agrupam para superar a calamidade, os humanos costumam agir de forma mais individualista.
O bunker encontrado por Rose
Vivida por Farrah Mackenzie, Rose representa no filme a geração que rapidamente se adapta às mudanças – enquanto seus pais insistem em fingir que nada mudou. A jovem vai até a mansão que ninguém quis explorar com ela. A câmera mostra Rose se refestelando da comida que achou na casa. Depois, ela encontra um bunker extremamente organizado e bem servido de comida, água e entretenimento – entre eles, jogos de tabuleiro e DVDs de séries e filmes. O filme acaba quando a garota coloca o último episódio de Friends na TV. No livro, ela volta para a casa original, para avisar sobre sua descoberta. O autor ainda descreve nas páginas o que aconteceu com a família dona do local: os Thorne ficaram presos no aeroporto de San Diego, tentando voar de volta para Nova York e para sua casa segura. , Porém, eles nunca retornam e acabam vivendo em um acampamento do exército – a matriarca da família morre por lá, vítima de um câncer.
Friends
O papel da sitcom Friends na trama levantou teorias variadas na internet, como o escapismo diante do horror. O autor explica que a inserção da série na história nada mais é que um lembrete de que a arte salva.
O garoto doente e outras incertezas
A decisão de encerrar o filme enquanto as famílias não se reencontraram é defendida pelo autor, que garante: “esta não é uma história óbvia, não seria honesto apresentar um final tão detalhado”. Aliás, para ele é certo que os núcleos separados vão se encontrar, já que estão a caminho do mesmo lugar. Uma incerteza se mantém: segundo o autor e o diretor do filme, nenhum deles sabe o destino de Archie (Charlie Evans), o filho mais velho de Amanda e Clay. Será que ele vai ficar bem e se curar? Uma dúvida que fica sob a responsabilidade da imaginação dos espectadores.