Adaptar livros para o cinema ou para a TV é um processo espinhoso — especialmente se a obra em questão for intimista e filosófica, como O Diário de Um Mago, um dos títulos mais populares da pena de Paulo Coelho. Não à toa, o autor brasileiro costuma ser reticente em verter sua escrita para as telas. Por isso a surpresa quando a Netflix anunciou a adaptação da obra em um ambicioso filme. “Eu sempre fui relutante com a ideia de ver meus livros transformados em filmes, mas a Netflix tem um compromisso com qualidade, então é uma grande alegria ver um projeto audiovisual de O Diário de um Mago”, disse o autor.
A VEJA, Gabriel Gurman, diretor de filmes da Netflix Brasil, revelou detalhes da parceria. “A história do livro não é óbvia. Trata-se de um texto sensível e pessoal, com questões particulares. Ainda existe o peso de vários fãs esperando o resultado. Então esse é um projeto primordial dentro da Netflix”, diz Gurman. Segundo o executivo, o filme está em fase de desenvolvimento de roteiro e o plano é rodá-lo no início de 2025, com locações no Brasil e na Espanha. Na trama semiautobiográfica, lançada em 1987, Coelho relembra sua experiência no caminho de Santiago de Compostela — rota de peregrinação na Espanha, onde fiéis admiram relíquias sagradas —, traçando assim uma parábola sobre escolhas, visões de mundo e espiritualidade. Best-seller, o livro já foi traduzido para mais de setenta idiomas.
A negociação entre Netflix e Paulo Coelho
Segundo Gurman, a Netflix foi atrás do autor para negociar a adaptação — como se sabe, Coelho possui dois pés atrás com a releitura de seus livros, especialmente após o fiasco da novela Brida, de 1998, produzida pela Rede Manchete. Entre as exigências de Coelho estavam a importância de rodar a história na Espanha e de manter a maior fidelidade possível entre roteiro e obra literária. “Eram preocupações que ele colocou durante a negociação. Temos muito respeito pela obra e conseguimos passar para ele uma segurança em relação ao nosso comprometimento.” A empresa ainda está em processo de selecionar elenco, direção e produtora parceira para fechar o pacote da equipe do longa.
A Netflix e o cinema nacional
A escolha de ter Paulo Coelho no catálogo, claro, passa pela popularidade do mago em diferentes países. “Nosso público é global, e o Paulo cruza essa fronteira”, diz Gurman. Segundo ele, as produções brasileiras estão entre as prioridades da empresa, por sua capacidade de arrebanhar espectadores e, como diz o jargão do meio, “viajar bem” entre outras nações. Além de O Diário de um Mago, a Netflix também vai apostar no próximo filme do diretor Gabriel Martins, de Marte Um, que no ano passado foi selecionado para representar o país na tentativa de uma vaga no Oscar.
Curiosamente, entre os gêneros produzidos aqui e que são bem consumidos fora estão o thriller erótico e a ficção científica — substratos pouco explorados pelo cinema e pela TV nacional. Em contrapartida, a comédia nacional, que arrebanha multidões por aqui, dificilmente chega bem a outros países. “É comum isso acontecer com comédias. O humor é algo muito particular de cada cultura”, explica Gurman. Entre 2023 e 2024, a Netflix afirmou que vai investir 1,5 bilhão de reais em produções locais. “É um valor alto que atesta nosso envolvimento com a produção local”, diz o executivo.