De aparência frágil e olheiras profundas, Renfield (Nicholas Hoult) se mistura bem em uma reunião de Codependentes Emocionais Anônimos. Ele escuta o desabafo de pessoas em relações tóxicas, que se dizem vítimas de monstros — assim como Renfield também é, só que de verdade. Na comédia de terror Renfield: Dando o Sangue pelo Chefe (Renfield, Estados Unidos, 2023), em cartaz nos cinemas, o velho assistente do Conde Drácula se redime de sua fama de comparsa inescrupuloso, enquanto tenta se livrar das amarras que o prendem ao vampiro mais famoso da história, interpretado por um inspirado (e caricato) Nicolas Cage.
Dirigida por Chris McKay, a produção carregada de cenas sangrentas (e um tanto toscas) presta uma divertida homenagem ao ator húngaro Béla Lugosi (1882-1956), que criou a imagem e os maneirismos do vampiro de capa, cabelo alinhado e sotaque pitoresco — elegância que destoa de sua fome por pescoços humanos. Ao seguir esse caminho, o filme se revela mais uma aposta peculiar do estúdio Universal na missão de ressuscitar monstros clássicos do terror, filão que ganhou status de cult nos primórdios de Hollywood, com títulos como O Fantasma da Ópera (1925), Frankenstein e Drácula (ambos de 1931) — sendo o último com Lugosi.
Em 2017, o primeiro desses derivados, A Múmia, com Tom Cruise, foi um terror — no sentido ruim da palavra: detonado pela crítica, o filme passou vergonha nas bilheterias. Os planos de uma saga interconectada de longas foi por água abaixo. A guinada criativa veio em 2020 com o ótimo O Homem Invisível, sobre uma sobrevivente de violência doméstica, vivida por Elisabeth Moss, em uma releitura feminista da história do cientista que fica invisível e faz o que bem quer — especialmente com mulheres.
Sem a necessidade de ligar um filme ao outro, Renfield pôde surfar deliciosamente no ridículo ao dar voz a outra vítima de um monstro. Na obra de Bram Stoker, autor do clássico romance epistolar Drácula (1897), Renfield é um paciente psiquiátrico violento, que come insetos e lambe sangue. Aqui, os bichinhos dos quais se alimenta têm a função de ativar a superforça que lhe foi concedida pelo mestre vampiresco — em troca, claro, da eterna devoção. Ambientado nos dias atuais, Renfield leva vítimas ao Drácula para que ele se recupere de um exorcismo malfeito e volte a aterrorizar o mundo: isso, até o rapaz descobrir livros de autoajuda que prometem livrá-lo do chefe narcisista. Missão difícil, pois Drácula já se provou irresistível em mil encarnações — e morde e assopra como ninguém.
Publicado em VEJA de 3 de maio de 2023, edição nº 2839
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