‘The Crown 5’: as polêmicas da série após a morte de Elizabeth II
Em sua penúltima temporada, a atração da Netflix encara a difícil missão de retratar um período conturbado da monarquia num mundo ainda em luto
Era uma terça-feira, 20 de setembro, quando Imelda Staunton retornou ao set de The Crown. Uma pausa fora decretada em respeito ao período de luto pela morte da rainha Elizabeth II, no dia 8 anterior, aos 96 anos. Dama do teatro inglês e popular por sua vilã Dolores Umbridge em Harry Potter, Imelda, de 66, é a terceira e última atriz a interpretar a soberana na aclamada série da Netflix — antes, Claire Foy e Olivia Colman carregaram a coroa. Imelda, porém, será a primeira delas a encarar o difícil papel sob o escrutínio de súditos fragilizados pelo luto — sendo ela mesma um deles. “Foi estranho, muito estranho”, contou Imelda a VEJA, em entrevista via Zoom, sobre a retomada das gravações da sexta e última temporada da série no dia seguinte ao funeral da rainha. “A TV foi tomada por especiais sobre a vida dela. A comoção foi enorme. Nos bastidores, estávamos bastante emotivos.” Quando entrou no set caracterizada como a soberana, a atriz notou que a equipe a olhou de um modo diferente. Ela mesma se encarou no espelho e assimilou de outra forma a personagem. Sólida, desprovida de ego e apegada a um forte senso de responsabilidade e dever, Elizabeth II enfrentou de cabeça erguida os altos e baixos dos setenta anos de seu reinado. A atriz quis honrar tal posicionamento: aplacou a tristeza e deu seu melhor nas filmagens.
A veterana Imelda estreia no figurino da rainha da Inglaterra no dia 9 de novembro, quando a quinta temporada chega à plataforma com elenco renovado. Ambientada na primeira metade da década de 90, a nova leva de episódios vai retratar uma época conturbada, na qual o auge dos dissabores se deu em 1992 — chamado pela própria soberana de annus horribilis (ano horrível, em latim). Foi quando testemunhou um terrível incêndio no Castelo de Windsor e o escandaloso divórcio de três filhos. Entre eles, a turbulenta separação da princesa Diana (Elizabeth Debicki) do príncipe Charles (Dominic West) — o hoje rei Charles III.
Mais que nas fases anteriores, a quinta temporada vem encarando duras críticas de admiradores da monarquia — estridência ampliada pela proximidade dos fatos históricos retratados e, claro, pela comoção com a morte da rainha. Com a autoridade de quem já deu vida às monarcas Elizabeth I e Victoria no cinema, a atriz Judi Dench, 87, mostrou-se ofendida e exigiu da Netflix um alerta explícito antes dos episódios, esclarecendo que se trata de uma obra de ficção. A plataforma, porém, sempre deixou claro que The Crown é inspirada em fatos e não um retrato fiel da realidade. O posicionamento não foi suficiente para aplacar, ainda, a ira de um figurão retratado na nova temporada, o ex-primeiro-ministro britânico John Major, vivido por Jonny Lee Miller (leia abaixo). Major ficou indignado ao saber que um episódio imagina uma conversa privada entre ele e Charles, na qual o herdeiro do trono especula sobre uma possível abdicação da mãe em favor dele. O ex-premiê Major classificou a cena como um “poço de bobagens maliciosas”.
Diana: Sua verdadeira história
Curiosamente, uma das estratégias de sobrevivência da monarquia britânica no século XX foi abrir mão da aura de intocável para se aproximar do povo. The Crown elevou essa tática à enésima potência. Desde seu lançamento, em 2016, a série ajudou a aguçar o interesse pela realeza e enfatizou que, por trás da conduta fria de Elizabeth II, havia uma monarca imbuída de forte consciência institucional. “The Crown oferece um olhar respeitoso sobre a rainha e expõe toda a dor e o tumulto que ela suportou”, disse a VEJA Jonathan Pryce, que encarna o príncipe Philip. “Tenho certeza de que estamos honrando a memória dela.”
Os 11 Membros da Realeza Britânica
Aos 75 anos, Pryce, um gigante do teatro e do cinema inglês, viu se cruzarem ficção e realidade em 2021. Já escalado como Philip, ele recebeu a honraria de Cavaleiro da Ordem do Império pelas mãos da princesa Anne, filha de Elizabeth II. “Ela se recusou a falar sobre The Crown”, contou Pryce. Maduros e consagrados, os novos intérpretes do casal real têm proximidade natural com o mundinho da série. Imelda e Pryce perderam as contas de quantas vezes recepcionaram membros da família real na estreia de uma peça ou filme — inclusive a princesa Diana. “Você sabe que alguém da realeza chegou quando todos começam a se curvar. Se não fazem isso, não é a realeza, é só o George Clooney”, brincou Pryce. “Eu me curvaria para o Clooney”, reagiu Imelda, com seu humor sagaz — qualidade que une a realeza aos plebeus na terra da rainha.
COADJUVANTES DE LUXO
Como The Crown mostra a relação da rainha Elizabeth II com os inúmeros primeiros-ministros que ocuparam o poder em seus setenta anos de reinado
Mentor iluminado
Quando Elizabeth II assumiu o trono, Winston Churchill exercia seu segundo mandato. Ela tinha 25 anos e ele beirava os 80, diferença que fez dele um mentor para a rainha. Na série, o premiê é vivido com brilho por John Lithgow
Amigo inesperado
Político de esquerda, o trabalhista Harold Wilson (Jason Watkins) chegou ao cargo em 1964 sob desconfiança da rainha. Os dois, curiosamente, se tornaram amigos — e ele a ajudou a entender os problemas sociais de seu reino
A ferro e fogo
Margaret Thatcher (Gillian Anderson) não ganhou o apelido de “Dama de Ferro” à toa. Na série, ela e a rainha se estranham. As farpas se basearam em rumores: ambas negavam qualquer rixa, mas também não trocavam elogios
Anos difíceis
O conservador John Major (Jonny Lee Miller) ocupou o cargo entre 1990 e 1997, período de crise para a monarquia. Major criticou a quinta temporada e disse nunca ter sido consultado sobre sua experiência
Publicado em VEJA de 9 de novembro de 2022, edição nº 2814
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