‘White Lotus 2’: o lado podre dos super-ricos invade as telas
Novos personagens se hospedam em um resort na Sicília, um paraíso exclusivo onde os endinheirados tiram férias — mas seus problemas e inseguranças, não
O semblante triste de Tanya não combina com sua conta bancária. Herdeira de uma fortuna de meio bilhão de dólares, a loira de rosto carregado de procedimentos estéticos foi apresentada ao mundo na primeira temporada da série The White Lotus, vivida com brilho e sagacidade por Jennifer Coolidge. De luto, Tanya carregava para cima e para baixo as cinzas da mãe, em busca do local adequado para jogá-las ao mar durante uma viagem ao Havaí. Na segunda e ácida temporada da série — que chega ao canal HBO e à plataforma HBO Max no domingo 30, a partir das 22 horas — a ricaça está de férias novamente. Mas suas inseguranças não lhe dão trégua.
Em um belíssimo resort na Sicília, Tanya planeja uma semana de romance com o marido, mas começa com o pé esquerdo: ela irrita o companheiro ao chegar à ilha com uma secretária a tiracolo. A milionária não tem coragem, enfim, de ficar sozinha consigo mesma — e, no caminho, repele quem chega perto. “Dinheiro não traz felicidade. Tanya é a prova disso”, diz a VEJA a divertida Jennifer Coolidge, que ganhou um Emmy pelo papel (leia mais). O efeito na ficção não se repete na vida real: Tanya virou favorita do público justamente por seu jeito caricato. A popularidade foi seu passaporte de volta ao elenco na nova temporada, que apresenta novos hóspedes e mais dilemas típicos do chamado clube do “1%” — a camada ínfima da população que representa os mais ricos do mundo.
Se na primeira temporada, no Havaí, questões sociais e raciais serviram de base para o embate que dividiu o elenco entre privilegiados e o resto, agora o cabo de guerra se dá especialmente entre homens e mulheres — em uma disputa embalada pelo poderio econômico de cada um. Tanya fez o marido assinar um acordo pré-nupcial, e isso causa de discórdia entre eles. Um casal de novos-ricos intelectuais bate de frente com outro que esbanja frivolidade. Até uma prostituta italiana deita e rola (mesmo) com um cliente generoso, mostrando domínio sobre o endinheirado viciado em sexo.
A série criada pelo roteirista e produtor americano Mike White é parte de uma perspectiva atual e peculiar sobre os mais abastados. Tipos frequentes em produções da TV americana, os super-ricos protagonizaram séries populares no passado, como Dinastia, dramalhão dos anos 80 que ganhou um remake em 2017, e o hit adolescente Gossip Girl (2007-2012). Esses programas ofereciam ao espectador uma janela para o mundinho do luxo e da ostentação. Agora, a lente foi ajustada: na nova leva de séries, a chamada “classe AAA” é vista sem o filtro da idealização, e seus podres e aflições saltam aos olhos.
Da brilhante Succession à pop Billions, passando pela sitcom Fortuna, da Apple TV+, o dinheiro é chamariz para infortúnios variados. Ludibriados e isolados do mundo real, seus personagens — todos multibilionários — não pensam duas vezes antes de escolher o dinheiro em detrimento da moral, da ética e até da família. Que o digam os filhos do magnata Logan Roy (Brian Cox) em Succession. “Bilionários atiçam nossa curiosidade, pois nunca tivemos tantos no mundo”, disse a VEJA Mark Mylod, diretor da série da HBO, que vai ganhar uma quarta temporada em 2023. Este ano, Mylod lança o filme O Menu, sátira sobre um restaurante caríssimo numa ilha particular.
Conforme um estudo da ONG Oxfam, entre 2020 e 2021, no auge da pandemia, a cada trinta horas um novo bilionário surgiu no mundo. Molly (Maya Rudolph), estrela de Fortuna, faz parte dessa estatística. Ela tem quase 90 bilhões de dólares na conta, advindos do divórcio conturbado com o marido, um gênio da tecnologia infiel — qualquer semelhança com Bill e Melinda Gates não é coincidência. Molly aplaca a solidão quando se propõe a ajudar os pobres. Durante a inauguração de um abrigo para mulheres sem teto, ela faz uma piadinha no discurso: “O que define um lar? Para mim, lar é onde minha adega está”. Em seguida, distribui sacolas com mimos inúteis, como velas aromáticas.
A sátira também dá sabor a The White Lotus, em pitadas mais moderadas — mas deliciosas. Na abertura da nova temporada, uma hóspede diz a duas estranhas na praia que a Itália é maravilhosa. “É de matar”, diz ela, antes de entrar no mar e trombar com o corpo de uma pessoa. Ao menos na TV, a vida dos ricos não está fácil.
Publicado em VEJA de 2 de novembro de 2022, edição nº 2813
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