Paraty é a Acapulco do Esquenta. A versão de férias do programa começou nesta quarta-feira, 30 de julho, na pequena cidade do Rio de Janeiro, e vai até domingo, 3 de agosto. São cinco dias de episódios, sob o título de 12ª Festa Literária Internacional de Paraty. Sai Regina Casé, entra Paulo Werneck, mas a essência é a mesma, como antecipei em artigo de 14 de maio que reproduzo abaixo: um grupo de miguxos ideológicos reunidos para festejar qualquer coisa, menos conhecimento, menos literatura. Em um dos célebres episódios de Chaves em Acapulco, Dona Florinda lê um livro de poesias à beira da piscina, até que Dona Clotilde chega e pergunta:
— O que é isso, D. Florinda, lendo aqui no clube?
— Mas é claro, Dona Clotilde. Pois saiba que, se eu me perdesse numa ilha deserta, a única coisa que me interessaria era ter algo que pudesse ler.
— Bem, se eu me perdesse numa ilha deserta, também me interessaria algo pra ler.
— Ah sim? Por exemplo…?
— Ah [suspirando]! As mãos de um marinheiro tatuado!
Eu sei que é um disparate comparar Chaves em Acapulco com o Esquenta em Paraty. Há mais literatura – e menos dinheiro público – em qualquer episódio de Chaves do que em qualquer festa internacional da esquerda. Mas se alguém aí se perder neste deserto literário, convém ouvir a dica da Bruxa do 71 e procurar as mãos de marinheiros (ou marinheiras) tatuados.
Não é mesmo para isso que a esquerda faz festinha?
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A FLIP VIROU ESQUENTA OU PORTA DOS FUNDOS? Editor da Record reage: “É inaceitável que a Festa Literária desconsidere a literatura brasileira tão abertamente”
Felipe Moura Brasil [14/05/2014]***
Esta é uma das frases de Millôr Fernandes, o jornalista, escritor, desenhista, tradutor, teatrólogo, humorista e, sobretudo, frasista, que será o homenageado deste ano na Festa Literária Internacional de Paraty – aquele evento, coincidentemente, feito com dinheiro público por esquerdistas e para esquerdistas, mas também para os incautos que acreditam estar diante de verdadeiras mesas de debates literários.
Em 2013, a Folha publicou a matéria “Autores de esquerda dominam Flip inspirada por Graciliano“, a partir da qual escrevi dois artigos, comentando as explicações do então curador Miguel Conde, para quem o dissenso – imagine! – não sairia prejudicado, e de outros igualmente cínicos e/ou ignorantes como Milton Hatoum, que “discordava” de que Nelson Rodrigues era de direita, apesar das confissões do próprio Nelson. Nenhum deles conseguia sequer lembrar nomes de autores brasileiros de direita do passado e do presente, de modo que Olavo de Carvalho teve de listar nada menos que 80 para desmascarar a patota.
Como em 2014 o novo curador da Flip – que eu chamava carinhosamente de Flep (Festa Literária da Esquerda em Paraty) – é o jornalista Paulo Werneck, ex-editor do caderno Ilustríssima da Folha, não sei se o jornal fará uma matéria que sirva de base ao meu artigo deste ano, de modo que vou logo me adiantando. Ao explicar ao G1 a tendência da programação, Werneck afirmou que “o tom foi dado pelo Millôr”, porque “ele era a pedra no sapato do poder”. “É um tom crítico, principalmente ao poder”, “mas são novos críticos, que falam de questões do século 21. Não é a ‘velha esquerda’ ou a ‘velha direita’.” Ah não, é?
Bem, que não é a “velha direita”, nem a dita “nova”, não resta dúvida, porque, mais uma vez, nenhum direitista atuante foi convidado. Mas como poderia não ser a ‘velha esquerda’ se velhos esquerdistas como Bernardo Kucinski (aquele que sugeriu a criação de um “UOL de esquerda” em texto reproduzido no site do PT) e Marcelo Rubens Paiva (“Sou militante. Sou o Reinaldo Azevedo da esquerda”) participarão até de uma “comissão da verdade”, digo, de uma mesa chamada “Memórias do Cárcere: 50 anos do golpe”? São esses alguns dos “novos críticos, que falam de questões do século 21″!? Esperar que Werneck convidasse ao menos um historiador como Marco Antonio Villa, autor de “Ditadura à Brasileira – 1964-1985: A democracia golpeada à esquerda e à direita”, seria mesmo demais, porque, a julgar pelos palestrantes, a parte “golpeada à esquerda” não interessa muito à discussão do século passado.
Outro esquerdista da Flip será Antonio Prata, aquele que, imaginando fazer sátira, escreveu na própria Folha em 2013: “Como todos sabem, vivemos num totalitarismo de esquerda. A rubra súcia domina o governo, as universidades, a mídia, a cúpula da CBF e a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, na Câmara” – uma descrição bem exata e literal do estado de coisas, como comentou Olavo na ocasião, “tanto que vários leitores levaram a afirmativa a sério e a aplaudiram”, ainda que ele tivesse esquecido de citar a Flip. “O autor teve de avisar, ‘ex post facto’, que pretendera fazer piada. No meu tempo de ginásio, quem quer que ignorasse que não se satiriza a verdade tiraria zero de redação. Mas, para expulsar os liberais e conservadores da mídia, vale até um colunista se expor ao ridículo. Tudo pela causa.”
Tudo mesmo. Tanto que, em Paraty, além de uma mesa anti-imperialista com Charles Ferguson e Glenn Greenwald, haverá críticas ao capitalismo até na mesa de culinária, com o ativista americano Michael Pollan. Isto sem falar na dupla Eliane Brum e Gregório Duvivier, escalados para a mesa de poesia. Brum é aquela esquerdista que defendia os rolezeiros com pérolas da ideologia como esta (que já comentei aqui): “Os shoppings foram construídos para mantê-los do lado de fora e, de repente, eles ousaram superar a margem e entrar.” Lindo, não? Deviam estar mesmo entupidos de ricos os shoppings da periferia…
Já Gregório é aquele humorista anticristão para quem a moda reacionária é usar um “puta óculos escuros Prada de aro dourado” como o do coronel Paulo Malhães. Do seu primeiro livro, eu até li o “Soneto prático para a despedida”, tão prático que contei pelo menos dois versos capengas (o 4: “o fim, e a certeza da dor, atroz,”; e o 11: “rasguem-se de dor e feito papel”), além de imagens toscas como “chovem corpos picados”. Seguro, porém, de que ele poderia aprender a fazer decassílabos com as tônicas certas antes de publicar novos livros, fui ler a exaltação de seu mais recente, feita por outro esquerdista da Folha, Marcelo Coelho.
Encontrei lá:
Mas é possível ir mais longe; em vez de “pão de centeio”, por que não escrever “Wickbold” de uma vez? É o que faz Gregorio Duvivier em seu livro “Ligue os pontos”… Duvivier é mestre em criar imagens verbais muito precisas. Assim, a avenida Niemeyer, no Rio de Janeiro, se esgueira entre o mar e a montanha “como o Chile”, e a baía da Guanabara “é uma sopa de óleo diesel”.
Que precisão, não é mesmo? Incrível. Adeus, Alberto da Cunha Melo e Bruno Tolentino. Já estou até pensando em chamar a Flip de sopa de óleo ideológico e dinheiro público, na qual o curador Paulo Werneck e seus camaradas molham os “Wickbolds” de cada dia.
Duvivier é um dos seis autores da Companhia das Letras – cuja sede é em São Paulo – convidados para o evento. Da Record – sediada no Rio – foram apenas dois, David Carr e Marcelo Gleiser, ambos de não ficção. Escritores como Cristovão Tezza, Lya Luft, Alberto Mussa e Evandro Affonso Ferreira foram ignorados (e nem preciso dizer que autores best sellers como Olavo de Carvalho, Reinaldo Azevedo e Diogo Mainardi, também), assim como a maioria dos e-mails enviados a Werneck por Carlos Andreazza. O editor da Record reagiu então no Facebook contra “a concentração editorial – que é uma das marcas mais duradouras da Flip que hoje quer questionar o poder”, e escreveu: “como querer que a maior editora do Brasil – certamente a que mais acredita e investe em literatura neste país – esteja minimamente representada na Flip, se a literatura brasileira ela mesma não está? É inaceitável que a Festa Literária Internacional de Paraty desconsidere a literatura brasileira assim tão abertamente.”
Se em 2013 o dissenso já não saía prejudicado sem direitistas, em 2014 a ausência da própria literatura não será lá um grande problema. O curador Miguel Conde, quando dizia “Naturalmente, convidei autores dos quais me sinto mais próximo”, era ao menos mais sincero que Werneck, que, em resposta à Folha, preferiu falar em “frustração natural das editoras” e “renovação da geração literária”. Cinismos à parte, a verdade é que, em seu caolho tributo a um crítico da direita e da esquerda como foi Millôr, só faltou o curador colocar a reescritora Patrícia Secco para ensinar como ‘seccou’ as obras de Machado de Assis e José de Alencar com R$ 1.039.000 dos cofres públicos. Mas ainda há esperanças: espere só até o ano que vem.
Felipe Moura Brasil – https://www.veja.com/felipemourabrasil
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*** Veja, na íntegra, como o editor da Record, Carlos Andreazza, detonou o curador da Flip e relembre meus artigos sobre as edições anteriores descendo a barra no post original.
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