O desgosto da esquerda com o efeito criminoso das próprias ideias
Felipe Moura Brasil responsabiliza esquerdistas pelos males do petismo
Karl Kraus dizia:
“Há escritores que já conseguem dizer em vinte páginas aquilo para o que às vezes preciso de até duas linhas”.
Se eu fosse “zuero” (e sou) como o aforista austríaco, eu diria (e digo) quase o mesmo com relação à enxurrada de editoriais e artigos na imprensa sobre “Lula, o PT e os outros“, “Lula, o sócio oculto“, “O cerco de depoimentos que confirma Lula como o chefe“, “O mal do petismo” e, claro, “A decepção dos ingênuos“.
Tuitei em julho de 2014:
Hoje, após o PT meter muito mais governo na vida do povo, esquerdistas que apoiaram o partido afetam desgosto com a roubalheira de petistas e aliados.
Até Noam Chomsky – “a maior expressão da esquerda mundial”, como o apresenta o esquerdista Marcelo Rubens Paiva – revelou sua desilusão:
“É doloroso ver o Partido dos Trabalhadores no Brasil, que realizou significantes melhoras, simplesmente não conseguir manter as mãos fora do dinheiro público. Eles se juntaram a uma elite extremamente corrupta, que tem roubado por muito tempo, participando da corrupção, desacreditando todo o partido.”
Leonardo Boff, apologista da Teologia da Libertação – a politização total, integral e sistemática da Igreja, que consiste em dar a cada frase do Evangelho um sentido político de “luta de classes” para favorecer a revolução comunista – , também tentou se descolar do PT:
“Enganam-se aqueles que eu, pelo fato de defender as políticas sociais que beneficiaram milhões de excluídos, realizadas pelos dois governos anteriores, do PT e de seus aliados, tenha defendido o partido. A mim não interessa o partido mas a causa dos empobrecidos que constituem o eixo fundamental da Teologia da Libertação, a opção pelos pobres contra a pobreza e pela justiça social, causa essa tão decididamente assumida pelo Papa Francisco.”
Boff também divulgou no mesmo post um texto da esquerdista Carla Jiménez, publicado na edição online para o Brasil do jornal “El País”, onde ela lamenta a ferida que o comandante máximo deixou… na esquerda, claro:
“Lula, por outro lado, mais do que os crimes a que responde, feriu de golpe a esquerda no Brasil. Ajudou a segregá-la, a estigmatizar suas bandeiras sociais e contribuiu diretamente para o crescimento do que há de pior na direita brasileira. Se embebedou com o poder. Arvorou-se da defesa dos pobres como álibi para deixar tudo correr solto e deixou-se cegar. Martelou o discurso de ricos contra pobres, mas tinha seu bilionário de estimação. Nada contra essa amizade. Mas com que moral vai falar com seus eleitores?”
Diante da repercussão do post de Boff como endosso integral ao texto de Jiménez, ele se sentiu na obrigação de esclarecer que não concorda com o trecho contra Lula; acha apenas que “um olhar de fora é sempre instrutivo”.
Instrutivo mesmo seria admitir que defender os pobres não é transferir a quem não trabalha o dinheiro de quem trabalha (inclusive de cidadãos de origem pobre) para garantir votos e poder, mas, sim, tirar o Estado do caminho deles – como querem os moradores da periferia de São Paulo, segundo pesquisa do próprio PT – para que possam enriquecer com o próprio trabalho.
Como apontou um dos editoriais do Estadão:
“Mesmo as ‘políticas sociais’ do PT – bandeira que o partido e seus defensores sempre fizeram tremular com galhardia – foram concebidas para criar uma legião de cativos que, por dependência e não desenvolvimento, garantiriam a sustentação do grupo de poder e, assim, a manutenção de um sofisticado sistema engendrado para assaltar os contribuintes.
Não por acaso a popularidade de Lula segue alta no Nordeste, região mais pobre do País e onde está a maior concentração de beneficiários do programa Bolsa Família, segundo dados do IBGE.
O discurso pelo fortalecimento do Estado para enfrentar a ‘ganância do capital’ e, assim, proteger os desvalidos – a eterna cantilena da esquerda – foi a desculpa perfeita para a ocupação e aparelhamento da administração pública pelo PT de modo a transformar o Tesouro Nacional numa espécie de ‘fundo partidário’ privativo do partido e seus aliados.”
Carlos Alberto Di Franco escreveu também no mesmo jornal:
“O lulopetismo, espertamente, aplicou uma ‘nova matriz econômica’ que deu prioridade aos investimentos de alto retorno eleitoral – como programas sociais que efetivamente ajudaram a tirar milhões de brasileiros momentaneamente da miséria, mas sem nenhuma garantia de efetiva inserção na atividade econômica – aliados a uma agressiva política de renúncia fiscal, para estimular a produção, e de ‘flexibilização’ do crédito popular, para estimular acesso a bens de consumo.
O populismo lulopetista optou por investir no retorno eleitoral imediato, relegando a plano secundário os programas de investimento de maturação mais lenta em bens sociais como educação, saúde, saneamento, mobilidade urbana, segurança, etc.
De acordo com a constatação insuspeita de Frei Betto, nas favelas que se multiplicam por todo o País se encontram hoje barracos devidamente equipados com geladeira, eletrodomésticos, televisores moderníssimos, às vezes até mesmo carros populares e outros objetos de consumo, mas quando saem porta afora as pessoas não encontram escolas, postos de saúde e hospitais decentes, transporte público eficiente e barato, segurança adequada, enfim, os bens sociais que são muito mais essenciais a um padrão de vida digno do que os bens de consumo, que lhes oferecem a ilusória sensação de prosperidade.
O bolivarianismo tupiniquim, estrategicamente implantado por Lula, rendeu bons resultados aos seus líderes: muito poder e muito dinheiro. Não contaram, no entanto, com três fatores complicadores: a força inescapável da realidade econômica, o papel da liberdade de imprensa e a independência das instituições.”
Outro editorial do Estadão voltou então ao ponto certo:
“A revelação de que é antiga, calorosa e proveitosa a relação de Lula com a empreiteira que está no centro do maior escândalo de corrupção da história brasileira [Odebrecht] parece ter sido demais mesmo para os mais dedicados lulistas. Alguns já anunciaram ruptura total; outros apenas ensaiam um discurso para salvar as aparências depois de décadas reverenciando o mito agora questionado. Estes últimos dizem que estão decepcionados com Lula porque ele se deixou levar pelas benesses do poder, mas ainda defendem o petista como o ‘melhor presidente’ do País por seu espírito estatizante.
Ora, não é preciso ser um grande pensador para saber que a corrupção que tanto decepciona esses intelectuais só atingiu o atual nível em razão justamente da expansão da máquina estatal promovida por Lula. Quanto maior o Estado, maiores as oportunidades de assaltá-lo – especialmente quando se tem na Presidência alguém que, como Lula, não diferencia o público do privado.”
Pois é.
Era tudo o que estava escrito naquele tuíte de duas ou três linhas.
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A propósito:
Felipe Moura Brasil ⎯ https://gutenberg.veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil
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