Se tem uma coisa em que o presidente Bolsonaro vai bem é no diversionismo. Toda vez que algo relevante surge na pauta, ele é capaz de criar um factoide e desviar a atenção usando fake news. Se um repórter pergunta sobre as “rachadinhas”, ele responde falando que o jornalista tem cara de homossexual. Se há meio milhão de mortos, ataca com o voto impresso. Encontrar e manter a atenção no eixo dos reais problemas do país é, portanto, urgente.
As dificuldades começam, muitas vezes, na definição de esquerda e direita. A divisão nasceu logo depois da Revolução Francesa, a depender de que lado do Parlamento sentavam os deputados. Depois, veio a ideia de um lado ter mais compromisso com o ser humano e, o outro, com o capital. Eu sintetizaria de outro modo: a esquerda acredita num Estado maior para corrigir desigualdades, e a direita defende um Estado menor, porque a livre-iniciativa é capaz de sozinha corrigir distorções. No Brasil, o debate se embaralhou: parece que defender vacina é coisa da esquerda, defender direitos das mulheres LGBTQs também; defender educação é coisa de comunista e brigar por racionalidade no gasto público é coisa da direita. Para muitos “direitistas”, todo “esquerdista” é maconheiro. Mas nos Estados Unidos, país que não pode ser acusado de esquerda, a indústria da maconha recreativa já vale bilhões, paga impostos, que financiam inclusive a educação.
“Defender vacina não é coisa de esquerda, nem a racionalidade econômica postura só de direita”
Isso tudo significa, na prática, que a polarização está emburricando a sociedade. A polarização elimina nuances, glorifica bobagens e intoxica o diálogo. Partidos de esquerda e de direita, ambos poderiam desenvolver o patriotismo de fato (não aquele que é arrotado por fascistas) e criar uma pauta comum. Afinal, se um negro sofre racismo, um LGBTQ é vítima de homofobia ou se uma mulher é atacada por machistas, nada tem a ver com o tamanho do Estado. É questão de princípios. A mesma coisa se aplica à proteção das terras públicas de floresta, das tribos indígenas, da biodiversidade, do estoque de carbono ou se vamos comer uma comida envenenada por defensivos agrícolas.
Nos últimos três anos, o Brasil está sendo destruído: instituições, florestas, universidades, relações pessoais e, acima de tudo, a boa-fé pública e a civilidade. Será mesmo que as divergências sobre o tamanho do Estado (direita ou esquerda) são tão grandes assim que é impossível trabalhar junto para salvar o país?
Em tempo, para instalar o eixo do debate no lugar certo: não acredito ter sido intencional, mas as grandes plataformas de tecnologia (Google e Facebook) têm imensa responsabilidade na tragédia atual. Além de lucrar com notícias mentirosas, fomentar a polarização e enfraquecer a imprensa, essas plataformas estão sendo coniventes com o banho de sangue. Explico: se eu for no Instagram da VEJA e fizer um elogio, nada acontece. Se eu for lá e iniciar uma briga com a VEJA, o assunto viraliza e o algoritmo entrega o post a milhões de pessoas — e ainda ganho seguidores e likes. É mais ou menos isso que está acontecendo com o mundo. As pessoas são incentivadas a alimentar a loucura bipolar, enquanto os acionistas ficam entusiasmados com o valor gerado para suas ações. Está errado.
Publicado em VEJA de 18 de agosto de 2021, edição nº 2751