Pesquisador coreano propõe fundo no Brasil para liderar avanços em vacinas
Jerome Kim, diretor do Instituto Internacional de Vacinas, defendeu à coluna que o país amplie investimentos para garantir soberania em saúde

O pesquisador sul-coreano Jerome Kim, diretor-geral do Instituto de Vacinas, órgão das Nações Unidas sediado em Seul, capital da Coreia do Sul, esteve no Brasil, durante a Rio Innovation Week, e falou com exclusividade a VEJA.
Jerome Kim e a cientista Sue Ann Costa Clemens, referência internacional em vacinas, professora da Universidade de Siena e Conselheira Sênior da Fundação Gates, propõem a criação de um Fundo no Brasil para que o país lidere o desenvolvimento de tecnologias em saúde. Um dos objetivos é acelerar o acesso às vacinas e aos medicamentos por meio de licenciamento e parcerias. Leia a entrevista completa abaixo.
Como o Instituto Internacional de Vacinas pode atuar no Brasil? O Brasil é um dos signatários fundadores do Instituto Internacional de Vacinas (IVI), criado em 1997 por iniciativa do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. O IVI é uma organização internacional independente e trabalha com governos, indústria, academia e parceiros globais de saúde para descobrir, desenvolver e fornecer vacinas seguras, eficazes e acessíveis. O nosso objetivo é fortalecer a equidade, o impacto e a sustentabilidade das vacinas globalmente. Em campo, o IVI faz parcerias com pesquisadores locais para reunir evidências e compreender melhor as doenças infecciosas, especialmente as doenças emergentes e de surtos que afetam desproporcionalmente os países de baixa e média renda, enquanto trabalha com governos para garantir que novas vacinas sejam implementadas e utilizadas com o máximo impacto. Atualmente, o IVI colabora com a professora Sue Ann Clemens como pesquisadora chefe de projetos clínicos e com o Instituto Nacional de Cardiologia para vigilância entérica (distúrbio do intestino delgado) nas áreas com maior incidência no Brasil, bem como para capacitação em vacinologia e desenvolvimento clínico. O trabalho anterior do IVI no Brasil concentrou-se no combate à dengue, desenvolvendo e gerenciando bancos de dados de ensaios clínicos, apoiando o desenvolvimento e os ensaios da vacina contra a dengue do Instituto Butantan, conduzindo estudos epidemiológicos e econômicos, organizando redes de pesquisa colaborativa e oferecendo treinamento em BPF. Olhando para o futuro, esperamos engajar o Brasil como um defensor dos esforços regionais para acelerar a inovação em vacinas, terapias e diagnósticos. Nossas discussões com autoridades de saúde estão explorando oportunidades para expansão da produção local, financiamento sustentável para pesquisa e desenvolvimento e fortalecimento da soberania em saúde para o Brasil e toda a região da América Latina.
Como as parcerias globais podem auxiliar no desenvolvimento de vacinas e medicamentos? As parcerias globais são essenciais para o desenvolvimento de vacinas e medicamentos, pois nenhum país ou organização possui os recursos, a expertise ou a infraestrutura necessários para enfrentar os desafios de saúde atuais. Parcerias, especialmente aquelas que unem os setores público e privado, reúnem diversas forças: pesquisadores e cientistas para entender e resolver problemas de saúde, fabricantes para aumentar a produção, governos para orientar políticas, organizações internacionais para coordenar esforços e garantir equidade e financiadores para fornecer a estrutura financeira.Parcerias público-privadas inovadoras podem acelerar a pesquisa e levar ao mercado vacinas e tecnologias de saúde urgentemente necessárias, especialmente em países que historicamente tiveram menos acesso a elas. Por exemplo, o IVI colaborou com parceiros na Ásia e na África para desenvolver, testar, garantir a aprovação e ajudar a introduzir uma vacina conjugada contra a febre tifoide, passando da vigilância da doença para o desenvolvimento clínico e a pré-qualificação pela OMS a um baixo custo relativo.
O que aprendemos com a covid e o que mudou na forma como trabalhamos para desenvolver vacinas e medicamentos? A covid-19 mudou fundamentalmente a forma como desenvolvemos vacinas e medicamentos, destacando o poder e a necessidade de parcerias globais fortes. Uma das maiores lições é que precisamos de redes de saúde resilientes e equitativas (regionais e globais) que não sejam ativadas apenas durante crises, mas que sejam sustentadas para preparação e resposta contínuas. Um aprendizado importante da pandemia é a necessidade de garantir que vacinas utilizando novas tecnologias se tornem amplamente disponíveis para países de baixa e média renda, ao mesmo tempo em que fortalecem as capacidades locais de biofabricação nesses países. Muitos desses fabricantes locais já têm capacidade para produzir ou envasar vacinas em escala. Apoiar a transferência de tecnologia para esses fabricantes é fundamental. O Programa de Transferência de Tecnologia da OMS em países africanos e o trabalho do IVI com o Centro Global de Treinamento em Biofabricação (incluindo o treinamento de estudantes do Brasil) são exemplos de medidas promissoras em direção a uma maior autossuficiência e soberania regional e nacional em vacinas.
Como podemos garantir a equidade e o acesso a vacinas e medicamentos? Aumentar a equidade e o acesso a vacinas e medicamentos exige o apoio à produção e às cadeias de suprimentos locais para que os países possam produzir e distribuir vacinas mais perto de casa, reduzindo a dependência de fornecedores distantes e evitando gargalos. A transferência de tecnologia e a capacitação são cruciais aqui, permitindo que fabricantes em países de baixa e média renda produzam vacinas em escala. Iniciativas como a Covax e o Acelerador ACT também foram exemplos importantes de uma abordagem internacional para o desenvolvimento e distribuição de vacinas com base nas necessidades de saúde pública em detrimento da riqueza ou da geografia. Combinados, esses mecanismos uniram recursos para garantir que países de baixa e média renda pudessem acessar as vacinas contra a covid-19 juntamente com países de alta renda, ao mesmo tempo em que apoiavam a pesquisa, o desenvolvimento e a produção.
Há alguma parceria entre o IVI e o Brasil planejada para começar em breve? Com base no recente engajamento com autoridades brasileiras de saúde e ciência, o IVI tem como objetivo apoiar iniciativas colaborativas destinadas a acelerar o desenvolvimento de vacinas, diagnósticos e medicamentos em economias emergentes, incluindo o Brasil. Esses esforços concentram-se na localização de pesquisa e desenvolvimento, no fortalecimento da capacidade produtiva regional e na diversificação dos modelos de financiamento para aprimorar a soberania em saúde. Inspiradas em modelos bem-sucedidos da Coreia do Sul e do Japão, essas iniciativas visam capacitar economias emergentes a liderar a inovação em saúde.
Como podemos garantir uma transferência de tecnologia e conhecimento duradoura e segura? A transferência sustentável de tecnologia e conhecimento depende da construção de infraestrutura e recursos humanos locais robustos. Iniciativas de treinamento, como a implementação do Centro Global de Treinamento em Biomanufatura (GTH-B) pelo IVI, são essenciais para o desenvolvimento e a retenção de mão de obra técnica qualificada. Este programa foi criado em 2023 com o apoio da Coreia do Sul e da OMS. Até o momento, 21 profissionais brasileiros da área de biomanufatura participaram dos cursos do GTH-B na Coreia do Sul. Como parte do programa GTH-B, o IVI também ofereceu um workshop de consultoria presencial no Instituto Butantan em 2024. A transferência de tecnologia deve ser aliada a suporte técnico contínuo e troca de conhecimento, capacitando os fabricantes locais a operar de forma independente além da transferência inicial de tecnologia e a se tornarem colaboradores e inovadores ativos na saúde global. Com financiamento do governo alemão, o IVI transferiu vacinas para biofabricantes brasileiros. No IVI, nossa abordagem é promover parcerias sustentáveis que capacitem os países a assumir a responsabilidade pela produção de vacinas, combinando transferência de tecnologia com desenvolvimento de força de trabalho, apoio regulatório e engajamento político.
O “Grupo Mulheres do Brasil” recebeu o reconhecido “Prêmio Científico IVI SK Bioscience PARK MahnHoon” pelos resultados de um projeto de cobertura de vacinação. Você pode nos contar sobre ele e seus resultados? Luiza Helena Trajano, fundadora da organização sem fins lucrativos Mulheres do Brasil, foi homenageada com o Prêmio IVI-SK de Biociências Park MahnHoon 2025 por sua liderança na expansão da cobertura vacinal em regiões carentes do Brasil. Os esforços da organização sem fins lucrativos também se estendem à capacitação de profissionais de saúde, ao avanço de programas de vacinação para proteger meninas e mulheres contra o HPV e à defesa da igualdade de gênero. Este prêmio, concedido a líderes globais, incluindo a Dra. Katalin Karikó, ganhadora do Prêmio Nobel, destaca o importante papel do Brasil no avanço da aceitação, acesso e distribuição de vacinas.
A IVI tem tido sucesso em levar vacinas às pessoas que precisam delas, onde muitas vezes as grandes empresas não veem valor de mercado. O senhor pode dar alguns exemplos de como a IVI transforma grandes ideias em produtos inovadores que fazem a diferença? A IVI trabalha da necessidade ao impacto — o que significa que avaliamos as necessidades urgentes de saúde global, seja para uma nova vacina contra uma doença emergente ou para soluções para melhorar a aceitação da vacina, e fazemos parcerias com stakeholders globais para desenvolver inovações até o benefício real. Por exemplo, o desenvolvimento pela IVI da primeira vacina oral contra a cólera (VCO) de baixo custo do mundo transformou o acesso em regiões onde a cólera continua sendo uma séria ameaça à saúde pública, mas os incentivos comerciais são limitados. Apesar dos fracos impulsionadores de mercado, a IVI formou parcerias público-privadas na Suécia, Vietnã, Índia, Coreia do Sul e outros países para reformular, desenvolver, licenciar e escalar a VCO. Hoje, essa vacina compõe o estoque global de vacinas contra a cólera. A IVI inicialmente apoiou um fabricante no Vietnã para reformular uma VCO existente. Em seguida, trabalhamos com um fabricante diferente na Índia para facilitar os ensaios clínicos, o que levou ao licenciamento da vacina como Shanchol em 2009 e à pré-qualificação pela OMS em 2011. Posteriormente, a IVI transferiu a tecnologia para a EuBiologics na Coreia do Sul, que produziu o Euvichol, seguido por sua versão de fácil utilização, o Euvichol-Plus, ambos também pré-qualificados pela OMS em 2015 e 2017, respectivamente. A expansão da oferta interrompeu o ciclo de baixa demanda e altos preços, aumentando significativamente o acesso à OCV em todo o mundo. A IVI continua a permitir a transferência de tecnologia da OCV para fabricantes em todo o mundo, a fim de aumentar a produção e combater surtos persistentes de cólera. Além da cólera, a IVI está desenvolvendo tecnologias inovadoras de vacinas para melhorar a administração e a absorção, como adesivos de microagulhas que podem tornar a vacinação mais fácil, segura e acessível. Por meio de programas como o Global Training Hub for Biomanufacturing, também estamos equipando cientistas e técnicos no mundo todo com as habilidades para produzir vacinas de alta qualidade localmente, fortalecendo a resiliência e a segurança sanitária a longo prazo.