COP 24: como foi a primeira semana da conferência do clima
Brasil foi assunto nos corredores e ganhou o Prêmio Fóssil do Dia pela ameaça de se tornar um problema global
Desde o último domingo, dia 6, a conferência do clima COP 24, a principal convenção para discutir as mudanças climáticas, está acontecendo em Katowice, na Polônia. O secretário executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl, falou a VEJA sobre os destaques da primeira semana do evento.
O principal objetivo da COP 24 é definir o livro de regras do Acordo de Paris, aprovado por 195 países em 2015. Será a forma de assegurar que os objetivos de longo prazo do Acordo sejam atingidos pelo nível de ambição e compromissos de cada país, de garantir o fluxo de financiamento climático para apoiar países em desenvolvimento e pensar nas mudanças climáticas pelo ponto de vista de adaptação.
Com o Acordo de Paris, a meta é assegurar que, até o fim do século, o aumento da temperatura média global fique abaixo de 2 graus acima dos níveis pré-industriais e limitar o aumento a até 1,5 grau.
Então, segundo Rittl, nos primeiros dias de COP, os questionamentos foram: como assegurar que os países assumam compromissos maiores? Como demonstrar que as reduções de emissão de gases de efeito estufa estão acontecendo de fato, conforme as metas assumidas? Como informar aqueles que têm que colocar o dinheiro na mesa se eles estão cumprindo com os compromissos?
Diante de tantas nações e demandas distintas, a negociação é feita de forma fragmentada. São vários temas discutidos em diferentes salas de reunião. No fim da primeira semana, existe uma tentativa de trazer todos os tópicos para um único pacote com coerência, para que uma sala de discussões complemente a outra.
Entre as definições práticas que podem sair com o livro de regras, um dos exemplos é o chamado Global Stock Take, que serviria como a avaliação do conjunto de metas dos países e mostrar onde está a diferença até o objetivo final. Assim, os países conseguiriam enxergar a trajetória das emissões e ter informação científica sobre como as metas têm que ser absorvidas pelas nações. Dessa forma, o mecanismo criaria uma responsabilidade para os países darem respostas.
O texto de negociação do momento inicial será apresentado com trechos que podem ser alterados. São centenas de questões que ficam em aberto. Muitos países só vão abrir mão de determinadas posições a partir do momento em que conquistam, em outra sala, outras partes do texto.
A expectativa é que uma versão consolidada do documento fique pronta até sábado, 8, e seja entregue no início da próxima semana para o segmento de alto nível, formado pelos ministros de cada país. As decisões mais complexas acabam sendo tomadas e os ministros trazem o poder que recebem dos governos para solucionar os impasses ainda existentes.
Com relação à participação do Brasil, Rittl destaca que a delegação é muito parecida com aquela que ratificou o Acordo de Paris. Um ponto positivo para o país é ser um dos principais defensores dos compromissos com prazo de até cinco anos, e não dez. Segundo Rittl, os diplomatas brasileiros são os mais presentes na argumentação de que uma década é tempo demais para apresentar resultados e a redução do prazo pela metade aumentaria as chances de todos conseguirem cumprir com o Acordo.
Ao mesmo tempo, a política brasileira, com a perspectiva do futuro governo de Jair Bolsonaro (PSL), se tornou assunto nos corredores e no café. Todos os dias, os negociadores foram abordados para saber quem será o Brasil a partir de 2019. As declarações do presidente eleito e dos membros do futuro governo causaram preocupação e embaraço entre os participantes da COP.
Nesta semana, o Brasil ganhou o prêmio Fóssil do Dia, organizado pela sociedade civil, conferido à nação que dificulta a negociação ou que demonstra na agenda doméstica a falta de compromisso com as metas climáticas. No caso, o demérito foi pela preocupação de o Brasil sair do lado da solução e ameaçar se tornar um problema.
A desistência de sediar a próxima conferência do clima, a COP 25, também deu o que falar. Todos ficaram surpresos porque houve uma demonstração de abrir mão da liderança de uma das poucas agendas em que o Brasil se destaca de forma internacional. A convenção nasceu no Brasil, na Rio 92, e o país abriu mão do seu protagonismo. Segundo Rittl, o Brasil colocou um conjunto de metas no Acordo de Paris que foi melhor do que os que foram apresentados por outros países em desenvolvimento, com o objetivo de reduzir, até 2025, 37% das emissões em relação a 2005. A sensação geral foi de que, de repente, o Brasil abriu mão de tudo.
De acordo com Rittl, a convenção do clima é sobre o desenvolvimento com qualidade para diminuir os riscos para a humanidade. Por isso, foi uma surpresa negativa por parte de quem imaginava que o Brasil poderia desempenhar um papel importante para avançar nas negociações. O país teria uma boa presidência e daria um bom exemplo de estar cumprindo com o seu papel para reduzir as emissões. Inclusive, a sensação foi de abrir mão de liderança e de investimentos, ao dar um sinal negativo para os mercados, com risco à imagem de empresas brasileiras que exportam commodities.
No caso dos Estados Unidos, que chegaram à convenção como parte do governo de Donald Trump, que declarou que vai tirar o país do Acordo de Paris, a delegação diminuiu o número de delegados, mas continua participando das negociações para defender os interesses da nação. Além disso, há um estande do movimento We Are Sill In, formado por diversos setores da sociedade, que demonstra o que está sendo feito para cumprir com as metas do acordo, mesmo sem a participação de Washington.
Rittl destaca como a ciência tem sido a base para as negociações entre os diplomatas. O mais recente relatório do IPCC, o painel climático da ONU, mostrou que limitar o avanço do aquecimento global a 1,5 grau já terá consequências graves para a sociedade e que chegar ao aumento de 2 graus será muito pior. Foram analisados mais de 6 000 trabalhos científicos, produzidos por noventa autores. O documento passou pelo crivo de governos, inclusive do americano, e chegou à COP com uma mensagem forte: é um insumo da ciência para levar os negociadores em direção à transição energética mais rápida, redução do desmatamento, economia mais limpa e agricultura sustentável.