Após a assinatura de um Termo de Acordo Preliminar (TAP) na quarta-feira, 20, pela mineradora Vale para pagar os atingidos pelo rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, a empresa fez a divulgação da medida no formato de um anúncio publicitário.
No texto da propaganda, a Vale escreveu: “em manifestação de respeito às famílias atingidas pela tragédia de Brumadinho, [a Vale] formalizou nesta quarta-feira, 20/2, um acordo sem precedentes na história do Brasil com autoridades e representantes da sociedade civil”. A empresa se comprometeu a pagar um salário mínimo por adulto, 50% de um salário mínimo por adolescente e 25% de um salário mínimo por criança, ao longo de 12 meses, para a população residente a até 1 quilômetro do leito do Rio Paraopeba.
O acordo só é sem precedentes porque não há um absurdo digno de comparação para o tamanho do descaso com a vida humana por parte de uma empresa privada.
No fundo, a estratégia dos pagamentos reflete uma tentativa mal sucedida praticada pela Samarco, controlada pela Vale, na indenização dos atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, em 2015, na região de Mariana, também em Minas Gerais. A Vale quer passar a ideia de que os valores tratam de antecipação das indenizações, como a própria empresa escreveu em seu anúncio.
De acordo com o defensor nacional de direitos humanos da Defensoria Pública da União, Eduardo Nunes, “a Vale afirmou na mídia que o pagamento seria um adiantamento de indenizações, o que ainda está em discussão. Contudo, queremos que o valor não seja computado no montante indenizatório. Isso mostra que a Vale quer evitar repetir as responsabilidades impostas no Rio Doce, após o desastre de Mariana”.
Logo após o rompimento da barragem de Fundão, a Samarco se comprometeu a fazer pagamentos de auxílio financeiro emergencial para os atingidos, incluindo 1 500 pescadores. Contudo, as empresas decidiram entrar com um recurso de Incidente de Divergência de Interpretação para que os valores fossem abatidos do montante final acordado como a indenização.
Segundo o advogado Mauro Menezes, da Federação das Colônias e Associações dos Pescadores e Aquicultores do Estado do Espírito Santo, o auxílio emergencial e a indenização são dois pagamentos distintos. “O primeiro é uma reparação pelo dano imediato, a renda perdida, o momento de absoluta interdição da atividade econômica. A indenização é um cálculo que precisa ser feito quando se torna possível estimar a perda de cada um dos atingidos”, afirmou.
Agora, o acordo de Brumadinho revela uma atitude da Vale de tentar se privilegiar em relação ao caso de Mariana. A empresa tenta garantir que haja uma compensação futura de qualquer montante que seja atribuído como indenização para abater os gastos com os pagamentos emergenciais.
De acordo com Menezes, uma experiência conversa com a outra. “Deveria ser uma harmonização que aperfeiçoasse a reparação, o amparo, a assistência e indenização das vítimas. Na verdade, a experiência passada, pelo o que se vê, serve como um aprendizado para que a Vale se aproveite disso para gastar menos recursos ao indenizar vítimas. Existe um paradoxo muito visível. Uma tragédia dessa proporção deveria motivar a Vale a prestar assistência, mas ela demonstra ter atitudes calculadas e maliciosas”, afirmou.
“O acordo é sem precedentes porque a tragédia é sem precedentes. A Vale deveria agir com sobriedade e de uma maneira compatível com a sua posição e sequer reivindicar esse tipo de designação. É algo vergonhoso. Deveria ser feito como uma obrigação mínima e de maneira muito envergonhada e sóbria. A Vale quer mostrar a assinatura de um acordo de reparação como se fosse uma glória. A atitude da Vale nesse caso está bem distante do que deveria ser em termos de reconhecimento da sua responsabilidade e de respeito às pessoas que sobreviveram e às famílias das vítimas”, declarou Menezes.
O boletim mais recente mostra que 166 mortos foram identificados e 144 vítimas estão desaparecidas. O número total de corpos inteiros, de segmentos corpóreos humanos e de animais encontrados chegou a 302.