Com produção robusta, bons efeitos, bom elenco, o mínimo de imaginação e Tom Cruise fazendo cenas de ação sem dublês, A Múmia vem sendo lançado com alarde, como a inauguração do Universo Sombrio do estúdio Universal – a brincadeira prossegue, em 2019, com A Noiva de Frankenstein. Com o sucesso colossal do Marvel-verso e do DC-verso, não há estúdio, hoje, que não queira ter um universo para chamar de seu, e a sacada da Universal não é nada má: entre 1931 e 1954, o estúdio produziu oito filmes que definiram o que era o cinema de terror, e que há muito tempo são reconhecidos como um conjunto coeso – um ciclo, na verdade. Para saber do que se trata, procure no YouTube por “Dark Universe – Monsters Legacy”, e prepare-se para ficar acachapado com tanta beleza e tanta atmosfera. É uma montagem com cenas dos oito filmes; dura apenas 1 minuto e 52 segundos, e é uma dose ultraconcentrada de talento cinematográfico. Melhor ainda: confira os longas inteiros, especialmente Drácula, Frankenstein, A Noiva de Frankenstein, A Múmia e O Monstro da Lagoa Negra (veja a lista completa dos filmes no pé deste texto). Quem sabe faz na raça, e os diretores desses filmes conseguiram o máximo de impacto, evocação e perturbação quase que só com um elemento básico – luz.
Nem é preciso avisar que não se encontra vestígio dessa inventividade neste A Múmia (e encontra-se muito pouco do charme e da despretensão da Múmia de 1999, com Brendan Fraser e Rachel Weisz). Mas talvez seja o caso de avisar que o novo A Múmia não é um filme de terror. É uma aventura com muito de Os Caçadores da Arca Perdida, outro tanto de Piratas do Caribe e até uma pitada de Um Lobisomem Americano em Londres (nunca viu? Veja!). É, sobretudo, um veículo para Cruise e uma apresentação do Universo Sombrio, no qual todos os personagens clássicos virão misturados. Neste aqui, Russell Crowe faz o Dr. Jekyll de O Médico e o Monstro (que, aliás, foi filmado duas vezes pela MGM), e no cavernoso laboratório vitoriano dele veem-se vários artefatos ligados aos próximos monstros.
O Dr. Jekyll é central à trama: é ele quem vai amarrar uma cripta do século 12 achada nos subterrâneos de Londres, com dezenas de tumbas de cavaleiros templários, ao estranhíssimo sarcófago que o sargento trapaceiro Nick Morton (Cruise) desencava no Iraque junto com a arqueóloga Jenny Halsey (Annabelle Wallis). Dentro do sarcófago está a princesa Ahmanet (Sofia Boutella), mumificada pelos últimos 5 000 anos mas vivinha da silva. Ahmanet fez maldades sem tamanho no Egito antigo, e quer continuar a fazê-las no presente. Nick é essencial aos planos dela. E Nick e Ahmanet são, ambos, essenciais aos planos do Dr. Jekyll.
Vai ver que é porque Mulher-Maravilha me deixou tão animada, mas achei Sofia Boutella e Annabelle Wallis o melhor do filme. Ambas estão na ascendente: a argelina Sofia, super-atlética (ela é bailarina clássica), já tinha causado bastante impressão em Kingsman: Serviço Secreto e em Star Trek: Sem Fronteiras, e aqui ela sai do sarcófago uma pistola – 5 000 anos sem manicure é de deixar qualquer um doido. E a inglesa criada em Portugal Annabelle esteve há pouco em Rei Arthur – A Lenda da Espada, e foi um show na série Peaky Blinders, ao lado de Cillian Murphy. Fiquei meio chateada quando, da primeira para a segunda temporada, ela atenuou o nariz charmosérrimo. Mas ainda sobrou bastante para deixá-la cheia de personalidade e tirar de letra o estereótipo da arqueóloga linda e loira que não se despenteia nem com um exército de mortos-vivos nos seus calcanhares. Sozinho, enfim, A Múmia é uma diversão sem compromisso. Mas, como ponto de partida de todo um novo universo cinematográfico, carece de substância e de visão. Ou A Noiva de Frankenstein dá um jeito nisso em 2019, ou essa brincadeira não vai longe.
Trailer
A MÚMIA (The Mummy) Estados Unidos, 2017 Direção: Alex Kurtzman Com Tom Cruise, Annabelle Wallis, Russell Crowe, Sofia Boutella, Jake Johnson, Coutney B. Vance Distribuição: Universal |
O UNIVERSO SOMBRIO ORIGINAL Drácula (1931), de Tod Browning, com Bela Lugosi Frankenstein (1931), de James Whale, com Boris Karloff A Múmia (1932), de Karl Freund, com Boris Karloff O Homem Invisível (1933), de James Whale, com Claude Rains A Noiva de Frankenstein (1935), de James Whale, com Elsa Lanchester e Boris Karloff O Lobisomem (1941), de George Waggner, com Lon Chaney Jr., Claude Rains e Bela Lugosi O Fantasma da Ópera (1943), de Arthur Lubin, com Claude Rains O Monstro da Lagoa Negra (1954), de Jack Arnold, com Richard carlson (e Ricou Browning e Ben Chapman como o Monstro) |