Fortaleça o jornalismo: Assine a partir de R$5,99

Isabela Boscov

Por Coluna Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Está sendo lançado, saiu faz tempo? É clássico, é curiosidade? Tanto faz: se passa em alguma tela, está valendo comentar. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
Continua após publicidade

‘A Vida Invisível’, o longa brasileiro que pode concorrer ao Oscar

Filme do diretor Karim Aïnouz é um melodrama contemporâneo — e vigoroso

Por Isabela Boscov Atualizado em 4 jun 2024, 15h06 - Publicado em 22 nov 2019, 06h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Um brinco perdido, caído no chão, é tudo o que resta a Eurídice (Carol Duarte) como lembrança de sua irmã Guida (Julia Stockler), que naquela noite fugiu de casa com um marinheiro grego. Cada uma delas nunca mais deixará de usar o brinco que lhe restou: assim como as cartas que escrevem sem ter certeza de que a correspondência algum dia foi entregue, as joias de filigrana portuguesa são o emblema de duas metades que só fazem sentido quando estão juntas, e que nunca deveriam ter sido separadas. Tudo, porém, conspira para que não consigam se reunir. O marinheiro, afinal, era um mulherengo, que deixou Guida grávida; Eurídice, a filha obediente, assumiu o papel antes destinado à irmã mais velha e aceitou o casamento com Antenor (Gregório Duvivier), filho de um comerciante próspero. No Rio de Janeiro suburbano da década de 50, é o que basta para que as trajetórias de Guida e Eurídice sigam em paralelo, sem se intersectar. Embora morem na mesma cidade, elas poderiam, de fato, estar em cantos opostos da Europa, como são levadas a acreditar. É puro melodrama — mas na melhor e mais incisiva definição que o termo é capaz de alcançar no cinema, o de uma história tornada universal e atemporal pela força do sentimento. A Vida Invisível (Brasil/Alemanha, 2019), em cartaz no país, é assim a escolha certa com que o Brasil pleiteia uma vaga na disputa pelo Oscar de produção estrangeira em 2020 — tanto que já desponta entre os favoritos nas apostas de revistas especializadas como a Hollywood Reporter.

    Em A Vida Invisível, o diretor Karim Aïnouz mapeia pelos anos que se seguem o percurso de cada uma das irmãs. Na verdade, um longo e tempestuoso trajeto interior, que elas percorrem sempre no mesmo lugar — Guida nos cortiços onde se refugiou ao ser expulsa pelo pai, Eurídice na casinha de classe média em que um piano é a única porta para o mundo. É doloroso e por vezes até dilacerante testemunhar a intensidade com que as irmãs anseiam uma pela outra e por tornar-se algo mais que suas definições, de mãe solteira e mulher de família. Baseando-se no romance de Martha Batalha e filmando com uma voluptuosidade que desde seu formidável Madame Satã, de 2002, não empregava, Aïnouz põe reviravolta após reviravolta no caminho das irmãs, de filhos abandonados e então recuperados a identidades trocadas. Em uma cena crucial, Guida e Eurídice passam tão perto uma da outra que poderiam se tocar — e a montagem perfeita da sequência, em que as imagens das irmãs são multiplicadas nos espelhos do ambiente, cria uma pungência que diálogo nenhum daria conta de exprimir.

    No melodrama, o destino é assim – cruel. Mas o fato de a manipulação emocional fazer parte da receita não significa que ela tenha de ser um mero exercício de poder sobre o espectador. Ao contrário: Aïnouz, que no início dos anos 90 começou a carreira trabalhando com um entusiasta do gênero, o diretor americano Todd Haynes, emprega aqui as táticas do melodrama para dar corpo e sangue a conceitos como patriarcalismo e opressão feminina — que, assim, deixam de ser abstrações (ou, pior, slogans) para se tornar as armas com que pais, mães, maridos e amantes ferem as protagonistas.

    Não deixa de ser curioso que o melodrama, que teve seu auge justamente nos anos 50 (período em que a maior parte do filme se passa), tenha ganhado a reputação de ser um gênero convencional: da maneira como era praticado por cineastas como Douglas Sirk, de Imitação da Vida, Sublime Obsessão e Tudo que o Céu Permite (os títulos são maravilhosamente romanescos, também), ele era já um manifesto de cumplicidade com as limitações asfixiantes da vida feminina. Em A Vida Invisível, Karim Aïnouz abre espaço para uma vividez que Douglas Sirk jamais se permitiria: suas heroínas transpiram e embriagam-se, a maquiagem delas borra e as cenas de sexo incluem uma penosa noite de núpcias. Assim, ele torna palpáveis as experiências físicas e psicológicas de Guida e de Eurídice e traduz para a sensibilidade contemporânea aquilo que o melodrama, antes, só podia sugerir. É, em uma palavra, emocionante.

    Continua após a publicidade

     

    Publicado em VEJA de 27 de novembro de 2019, edição nº 2662

    CLIQUE NAS IMAGENS ABAIXO PARA COMPRAR
    ‘Pam & Tommy’: um escândalo real com sexo, intrigas e videotape‘Pam & Tommy’: um escândalo real com sexo, intrigas e videotape
    A vida invisível de Eurídice Gusmão
    ‘Pam & Tommy’: um escândalo real com sexo, intrigas e videotape‘Pam & Tommy’: um escândalo real com sexo, intrigas e videotape
    Sublime Obsessão
    logo-veja-amazon-loja

    *A Editora Abril tem uma parceria com a Amazon, em que recebe uma porcentagem das vendas feitas por meio de seus sites. Isso não altera, de forma alguma, a avaliação realizada pela VEJA sobre os produtos ou serviços em questão, os quais os preços e estoque referem-se ao momento da publicação deste conteúdo.

    Publicidade
    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    BLACK
    FRIDAY

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo
    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de 5,99/mês*

    ou
    BLACK
    FRIDAY
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

    a partir de 39,96/mês

    ou

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.