“Bright”: elfos, orcs e Will Smith numa Los Angeles barra-pesada
Primeira superprodução da Netflix, filme é uma mistura exótica de fantasia e thriller urbano, mas pode agradar
A ideia é esquisita, não há dúvida. Mas desde as primeiras cenas curti o passeio pelas ruas sujas, com as paredes cheias de uma batalha de pichações entre elfos e orcs, e adorei quando, chegando em casa, Will Smith tem que dar uma bordoada numa fadinha (um macho de dentes de navalha, na verdade) que anda roubando a comida do passarinho. Definitivamente, Dorothy, isto aqui não é o Kansas, nem muito menos o reino encantado. É a Los Angeles barra-pesada, de guetos sempre em ponto de ebulição, que o diretor David Ayer tanto adora, e que já mostrou em Dia de Treinamento (roteiro apenas), Tempos de Violência e Marcados para Morrer. Mas, sim, em Bright a tensão racial de Los Angeles ganha o acréscimo de elfos esguios, chiquérrimos e riquíssimos morando num enclave fechado que é a cara de Beverly Hills, e de orcs mal-encarados e cobertos de tatuagens dominando os bairros perigosos que lembram South Central e Compton. Há até centauros (um deles é visto de relance), e a certa altura, numa tomada bem aberta da cidade, vê-se um dragão voando lá longe, contra a Lua. E há também brancos, negros, latinos, asiáticos – todo mundo em pé de guerra com todo mundo, inclusive dentro da polícia, onde Daryl Ward (Will Smith) vem sendo ostracizado porque o obrigaram a fazer a patrulha com Nick Jakoby (Joel Edgerton), o primeiro policial orc do país, uma novidade que ninguém engole. Nem o próprio Daryl, aliás, que odeia o novo parceiro mas – claro – vai forjar uma parceria precária com ele quando o aparecimento de um objeto mágico põe as facções da cidade umas contra as outras, com a dupla bem no meio da linha de fogo.
Nos últimos dois anos a Netflix vem produzindo uma grande quantidade de longas-metragens, mas nenhum se compara, em ambição, a Bright, que acaba de estrear na plataforma. O último trabalho de David Ayer na direção foi Esquadrão Suicida – que, bem, não deixou boas lembranças em ninguém, mas não o tirou do esquema. Will Smith é, de longe, o astro mais bancável a estrelar um filme da Netflix até aqui, e o australiano Joel Edgerton tem créditos sólidos não só como ator muito requisitado, mas também no cinema independente, como produtor (Ao Cair da Noite) e diretor (O Presente). Rodado a um custo anunciado de 90 milhões de dólares (ao qual a campanha de lançamento, que trouxe o trio também ao Brasil, deve ter somado várias outras dezenas de milhões), Bright é portanto a tentativa da Netflix de mudar as regras do jogo, furar o esquema dos estúdios e dizer que agora também ela vai lançar superproduções inéditas – só que direto na sala da sua casa.
Vai ser interessante acompanhar, nos próximos dias, as reações dos assinantes da Netflix a Bright, porque a esperança confessa de Smith, Ayer e Edgerton é que o filme agrade a ponto de garantir o sinal verde para uma continuação ou mesmo para uma série (e, pensando bem, é com isso que Bright mais se parece, com um episódio-piloto). Mas gêneros “de nicho” como fantasia e thriller urbano – ainda mais os cheios de tiros e violência – são como aqueles candidatos presidenciais que lideram tanto as intenções de voto quanto os índices de rejeição; para cada espectador que adora, há outro que não tolera. Misturados, ainda por cima, eles formam um híbrido exótico. E, embora na maior parte do tempo o roteiro de Max Landis (autor de Poder Sem Limites, e filho do genial John Landis de Um Lobisomem Americano em Londres) e a direção de David Ayer acertem na dose de humor, conduzam bem a colisão de fantasia e realismo e tirem bom proveito das oportunidades que a história oferece de comentar essa cultura do ódio e do entrincheiramento que vem ganhando corpo, Bright tem lá seus pecadilhos – começando pelos clichês dos filmes sobre duplas desajustadas, passando pelos vários diálogos previsíveis e terminando com as cenas de ação super-editadas, em cenários noturnos, que às vezes ficam tão emboladas que mal se entende o que está acontecendo (aliás, acho que é esse mesmo o intuito).
Se o público engolir, e se gostar do sabor, os estúdios que se cuidem: dinheiro para investir em superproduções é o que não falta à Netflix. E, ao menos de acordo com a versão oficial, ele vem com grande liberdade criativa (ao passo que, nos estúdios, a autonomia diminui conforme o orçamento aumenta, como o próprio Ayer poderia atestar depois da experiência de Esquadrão Suicida). A tela grande ainda é o lugar dos sonhos de um diretor, não há dúvida. Mas acene com essa combinação de grana e independência e é certeza: vai ter cineasta fazendo fila para aceitar a troca.
Trailer
BRIGHT Estados Unidos, 2017 Direção: David Ayer Com Will Smith, Joel Edgerton, Lucy Fry, Noomi Rapace, Edgar Ramírez, Jay Hernandez, Veronica Ngo Onde: na Netflix |