Uma comédia simpática sobre o dia em que um rei foi visitar o presidente
Feita em dezembro de 1970, no Salão Oval da Casa Branca, a foto de um encontro entre dois aparentes opostos – Elvis Presley e o presidente Richard Nixon – virou uma espécie de evento cultural americano: é a imagem mais solicitada do acervo dos Arquivos Nacionais. Qual teria sido o motivo da visita do Rei à sede da Presidência, e como ela teria transcorrido? Essa é a história que Elvis & Nixon tenta imaginar – e que começa com Elvis, já suplantado pela revolução pop nas paradas, reagindo com desgosto ao noticiário repleto de convulsão social, rejeição à Guerra do Vietnã, protestos raciais, drogas: refestelado numa poltrona em Graceland, Elvis espatifa a tiros as diversas telas de TV da sala, troca os chinelos por sapatos e vai para o aeroporto (sem assessores nem escolta, pela primeira vez na vida): quer pegar os amigos Jerry (Alex Pettyfer) e Sonny (Johnny Knoxville) em Los Angeles e seguir com eles para Washington, onde planeja propor ao presidente que o decrete agente federal disfarçado. Na cabeça cheia de mistificações de Elvis, ele poderá assim agir incógnito (justo quem – o homem mais famoso do planeta) em defesa do seu país. No fundo, no fundo, Elvis só quer duas coisas de fato: ser recebido pelo líder do mundo livre com toda a deferência exigida por sua majestade, e acrescentar o escudo do FBI à sua vasta coleção de distintivos honorários.
O fabuloso Michael Shannon, de O Abrigo (e também o General Zod de Homem de Aço), é um arraso como Elvis, embora não tenha com ele nenhuma semelhança física (Elvis já estava ficando corpulento, Shannon é um vara-pau; Elvis tinha um rosto cheio de curvas arredondadas, e o do ator é cortado a machado). O que Shannon capta em infinitas nuances é a cultura sulista e a psique complicada de Elvis: um emaranhado de narcisismo, inseguranças e complexos variados – de dependência, de inadequação – que as pessoas próximas cuidavam de alimentar. Elvis, o homem, é tão frágil e iludido que chega a ser patético. Mas é magistral o efeito que Shannon obtém quando vai envergando as roupas, as joias, o penteado, o cinturão dourado e, mais até de dentro para fora do que de fora para dentro, metamorfoseia-se na persona com que se apresenta ao mundo – do maior entre os maiores, o único e verdadeiro Rei, o que tudo pode e hipnotiza a todos.
Já a interpretação de Kevin Spacey segue uma linha radicalmente diferente: ótimo imitador, Spacey reproduz os ombros fechados de Nixon, seu andar pesado, sua atitude defensiva e ressabiada. É uma caricatura; mas, aos poucos, vão emergindo dela alguns traços mais intangíveis – o sentimento de inferioridade, a insegurança, a necessidade de aprovação e, ao mesmo tempo, a urgência de rebatê-la tentando provar-se sempre certo. Convencer Nixon de que é ótima ideia alardear um encontro seu com Elvis (nenhum presidente, em toda a história americana, apelou tão pouco aos jovens) é uma pedreira, mas a carta em que o Rei solicita a audiência – e que ele foi entregar pessoalmente numa das portarias da Casa Branca – já virou item célebre no gabinete.
A direção de Liza Johnson e o roteiro assinado pelo ator Cary Elwes e o casal Joey e Hanala Sagal são primários na sua concepção: consistem de encher o filme de telefones de discar, carros com rabo-de-peixe e mocinhas de franja e delineador, apresentar a situação, mostrar em paralelo os esforços dos amigos de Elvis e dos assessores de Nixon (interpretados por Colin Hanks e Evan Peters) para que o encontro aconteça, e então proceder ao encontro propriamente dito. Há vários momentos simpáticos, mas é esse, o evento principal, que faz a coisa toda valer a pena: livres para tomar conta do filme – e competir um com o outro –, Shannon e Spacey dançam uma deliciosa coreografia de egos, repleta de humor e observação, que diverte tanto quanto entristece. Desesperados para provar a si mesmos sua relevância em um mundo que estava pegando fogo e mudando com muito mais rapidez do que poderiam acompanhar, nem Elvis nem Nixon percebem que o presente já lhes fugiu, e não imaginam quanto o futuro lhes seria cruel. Em 1974, ao ser revelado o escândalo de Watergate, Nixon renunciou antes que seu impeachment fosse votado e passou à história como o mais infame e escuso de todos os ocupantes da Casa Branca. E, em 1977, o coração de Elvis sucumbiria aos excessos – de comida, de comprimidos e, talvez, de desapontamento. Elvis segue sendo o maior de todos os entertainers, mas é possível que não se desse conta disso daqueles palcos de Las Vegas onde, nos últimos anos de vida, o antigo ícone da rebeldia se dedicava a embalar senhoras com o cabelo cheio de laquê.
Trailer
ELVIS & NIXON
Estados Unidos, 2016
Direção: Liza Johnson
Com Michael Shannon, Kevin Spacey, Alex Pettyfer, Colin Hanks, Evan Peters, Johnny Knoxville, Sky Ferreira, Tracy Letts, Tate Donovan
Distribuição: Sony Pictures