Cuidado com o que você deseja.
O programador Caleb (Domnhall Gleeson) é despachado de helicóptero para algum ponto ignorado do Alasca.
Lá, no meio da vastidão desabitada, seu patrão, o bilionário do setor tecnológico Nathan (Oscar Isaac), mora em uma mansão que é parte santuário modernista, parte extensão da natureza – rochas se intrometem nos cômodos, a água corre por entre a construção, a vegetação obscurece as imensas paredes de vidro. Eis já aí, no cenário e no exímio trabalho de câmera do diretor de fotografia Rob Hardy, que contrapõe sempre as ideias de liberdade e confinamento, o tema central do primeiro longa dirigido pelo escritor e roteirista inglês Alex Garland (A Praia, Extermínio, Sunshine – Alerta Solar, Não Me Abandone Jamais): a confluência entre a natureza e o que é fabricado pelo homem, e as ramificações inesperadas que podem se originar dessa fusão. “Isto não é uma casa, é uma instalação de pesquisa”, diz Nathan a Caleb: o papel do rapaz ali, explica o bilionário recluso, será aplicar um teste de Turing à sua mais nova e ultra-sigilosa criação, a andróide Ava. Ou seja: Caleb deverá decidir, com base em uma série de sessões de conversa com Ava, se ela é capaz de simular o pensamento humano de maneira tão convincente que seja impossível distingui-la de uma pessoa real.
Ava é a mais brilhante criação também do filme de Garland: interpretada pela sueca Alicia Vikander (de Adeus, Minha Rainha e O Agente da U.N.C.L.E.) com ar sempre sonhador, melancólico – como todo andróide da ficção, ela anseia por transpor a barreira que a separa da humanidade – e com minúcias assombrosas de expressão corporal, Ava não parece requerer teste de Turing para se provar íntegra e perfeita. A despeito da placa sintética que recobre parte de seu crânio e do tórax encasulado em silicone transparente, através do qual se vê sua delicada mecânica, Ava é tão humana no seu apelo emocional (e também na sua habilidade para dissimular suas verdadeiras intenções) que Nathan e Caleb é que parecem, perto dela, criações incompletas e rudimentares.
Há, em Ex Machina, um tema oportuno e pouco explorado correndo sob a superfície, de como a expectativa acerca da perfeição feminina em geral serve como ferramenta de dominação masculina e submissão sexual – e de como a tentativa de criar fisicamente um ser ideal quase sempre é uma expressão do senso de inferioridade do criador (assunto sobre o qual o documentário Homo Sapiens 1900, do sueco Peter Cohen, tem muito a dizer. Quem não viu não sabe o que está perdendo). Mas a espinha dorsal do filme está naquele mesmo postulado que vem sendo dissecado desde o Metropolis de Fritz Lang, década após década: o que de fato a humanidade vai enfrentar no momento em que criar uma inteligência artificial tão orgânica e apta a evoluir que possa roubar para si o controle de seu destino? A declaração recente do físico Stephen Hawking de que esse momento talvez venha a marcar o início da erradicação da humanidade dá conta de apenas parte das angústias e inquietudes que movem Garland em Ex Machina. Tão perturbadoras quanto as consequências, especula Garland, são as razões que levam a essa busca por um ser superior.
P.S. Apenas para explicar o título do filme: a expressão completa, “Deus Ex Machina”, se refere a um artifício da dramaturgia grega clássica – uma divindade que era colocada no palco por meio de guindastes ou cabos, perto do desfecho de uma peça, para resolver o dilema central da trama ou dar um empurrãozinho no destino.
Trailer
EX MACHINA(Inglaterra/Estados Unidos, 2015)Direção: Alex GarlandCom Alicia Vikander, Domnhall Gleeson, Oscar Isaac, Sonoya MizunoLançamento: Universal