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“Mudbound”: um drama de época que ganha vida e respira

História de duas famílias no Mississippi dos anos 40 confirma a diretora Dee Rees como um talento verdadeiro

Por Isabela Boscov 27 fev 2018, 15h26

Há alguma coisa na maneira como a diretora Dee Rees enquadra o mundo de Mudbound – uma fazenda no Sul americano cujos estados naturais são ou a lama, ou o pó – que é especialíssima: Dee tem um olho danado para retratar os personagens e o cenário, além de uma exuberância e uma capacidade de achar o coração de uma cena que são a marca dos talentos inatos. Aos 41 anos, no terceiro longa (os anteriores são Pariah e Bessie) e com episódios de séries como Empire e Electric Dreams no currículo, ela tem ainda disciplina e muita inteligência na maneira como aborda o enredo. A história de duas famílias, uma branca e uma negra, no Mississippi dos anos da II Guerra poderia ser um desses melodramas pré-formatados. Em vez disso, Dee adapta o romance homônimo da escritora Hillary Jordan em forma de narrativa mítica. Henry McCallan (Jason Clarke) compra uma fazenda com o sonho de restaurar a grandeza sulista que sua família já teve, e que seu pai dilapidou. Trapaceado no negócio e sem experiência nem jeito para a vida rural, ele atola na empreitada as suas fortunas e expectativas, e também as de sua mulher (Carey Mulligan) – horrorizada com a miséria do lugar, com sua súbita pobreza e com a convivência com o sogro detestável (Jonathan Banks, o temível Mike Ehrmantraut de Breaking Bad). Quanto mais seu marido aperta os meeiros negros que já moravam na propriedade (Rob Morgan  e Mary J. Blige), mais os puxa para baixo junto consigo. A tragédia se precipita quando o irmão de Henry e o filho dos meeiros (Garrett Hedlund e Jason Mitchell) voltam do front e começam uma amizade: esse novo mundo do pós-guerra é incompreensível e inaceitável para o Sul segregado e retrógrado, que reage com a sua violência de costume.

Mudbound - Lágrimas Sobre o Mississippi
(Diamond/Divulgação)

Mudbound é um exemplo de como repisar um território já muito frequentado com arrojo e com fôlego novo. A trama de Hillary Jordan ajuda, mas Dee faz sua parte e mais um tanto filmando maravilhosamente bem, limando todo sentimentalismo desnecessário e coordenando com uma habilidade invejável os seis pontos de vista distintos de que a história é narrada. Desde que foram divulgadas as indicações do Oscar, venho falando de como Greta Gerwig e seu Lady Bird “roubaram” a vaga de Dee de Mudbound nas categorias de melhor filme e direção. Pode ser que as chances de Dee tenham sido prejudicadas pelo fato de Mudbound ser uma produção da Netflix e ter sido exibido diretamente no streaming em alguns países, sem passar pelo circuito comercial  (aqui, ele está em cartaz na tela grande, com o subtítulo ridiculamente piegas de Lágrimas Sobre o Mississippi; é de doer, e desanima qualquer um). Pode ser, também, que Mudbound tenha passado a impressão de ser um melodrama quadradão, desses que procuram ser edificantes. É tudo, menos isso.


Trailer

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MUDBOUND – LÁGRIMAS SOBRE O MISSISSIPPI
(Mudbound)
Estados Unidos, 2017
Direção: Dee Rees
Com Carey Mulligan, Garrett Hedlund, Jason Mitchell, Jason Clarke, Jonathan Banks, Rob Morgan, Mary J. Blige
Distribuição: Diamond
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