A dinamarquesa Susanne Bier, ganhadora do Oscar pelo longa Em um Mundo Melhor (2010) e do Emmy pela minissérie O Gerente da Noite, contou a VEJA como foi fazer The Undoing, a minissérie da HBO com Nicole Kidman e Hugh Grant cujo último episódio vai ao ar neste domingo, 29:
Uma história como a de The Undoing, em que um acontecimento inesperado desfaz com violência a vida dos protagonistas, é exatamente a sua praia. Mas como este projeto em particular chegou até você? A HBO me procurou quando (o criador e produtor) David E. Kelley tinha escrito apenas o primeiro esboço do primeiro episódio. Nicole Kidman já estava atrelada ao projeto, e achei que ele tinha muito potencial — desde que fosse possível encaminhá-lo mais para o thriller que para o drama. David topou a ideia, e o resultado é que me diverti horrores filmando em Nova York, onde o tipo de riqueza e privilégio de que os personagens de Nicole e Hugh Grant usufruem convive tão de perto com pobreza e falta de oportunidade. É uma cidade muito complexa. Você anda pelo Upper East Side e vê crianças entrando em limusines para ir à escola; dobra uma esquina e há gente morando em lugares tão apertados que mal há espaço para dormir ou comer. É um ambiente muito propício ao thriller.
A cada episódio e meio, mais ou menos, o andamento da narrativa é trocado por outro, e depois mais outro. Como você definiu essa estrutura? Esse era o efeito que eu estava buscando e, se o consegui, fico feliz. O que eu queria é que o espectador estivesse envolvido por uma trama, confiando neste ou naquele personagem, e então fosse surpreendido por uma mudança abrupta, do tipo “opa, por essa eu não esperava”. A dificuldade nesses casos é fazer com que a surpresa seja excitante — e não fora de lugar ou decepcionante. É uma dança precária com o espectador: ele tem que ser levado, mas não pode se sentir trapaceado. Ele tem que ser persuadido e abraçara reviravolta. É um efeito que se começa a planejar no roteiro e prossegue na maneira como se filma, mas é obtido sobretudo na fase de montagem, quando você pode refinar cada cena até o máximo, preparando o terreno para que a reviravolta seja convincente, porém não previsível.
Para isso, é preciso que os atores deem ao diretor exatamente aquilo de que ele precisa — e, apesar da excelência de todo o elenco, eu destacaria Hugh Grant nele. Ele já estava ligado ao projeto quando você foi convidada? Não, ele foi ideia minha — minha primeira ideia, aliás. Sempre achei Hugh um ator incrivelmente interessante na combinação de charme e leveza com profundidade e, possivelmente, algo sombrio. É um ator muito envolvente. Além de ter algo de triste, também, que caiu muito bem neste papel.
Para você, como diretora, fazer uma minissérie dá um prazer diferente do de fazer um filme? Adoro esse formato longo. Uma minissérie, no fundo, é um filme — só que com seis horas de duração, no caso de The Undoing. Dá muita satisfação ter oportunidade de não apenas se concentrar na linha narrativa principal, mas também de se deter em personagens secundários — andar não só por avenidas, enfim, mas também por ruas menores e vielas. Basicamente, é a mesma diferença que há entre escrever um conto e um romance.