“Suspíria”: filme enricou e ficou se achando
Refilmagem de terror cult dos anos 70 tem muito visual, muito elenco – e também muita presunção, e muito pouco a dizer
Os filmes do diretor italiano Dario Argento têm um público específico, feito de, bem, fãs de filmes de Dario Argento. Expoente do terror “giallo” – em partes iguais choque, suspense, sensacionalismo, erotismo e clima viajandão –, Argento teve seu auge na década de 70, junto com outros cineastas lisérgicos como Ken Russell e Nicolas Roeg. Está com 78 anos, e até uns poucos anos atrás ainda filmava ocasionalmente. Seus filmes eram baratos – meio toscos, até –, mas imaginativos e com um estilo só dele. Nunca foi a minha praia, mas é a praia de muita gente boa mundo afora. Por exemplo, do também italiano Luca Guadagnino, o diretor de Me Chame pelo Seu Nome, que, como se vê por sua refilmagem de Suspíria, idolatra e venera Argento.
Guadagnino, na verdade, reimagina o Suspíria original, de 1977. Para começar, ele expandiu o argumento (e também, ó céus, a duração, que foi de pouco mais de 1 hora e meia para intermináveis 2 horas e meia). Agora, a história da americana novata (Dakota Johnson) que ocupa a vaga deixada de forma misteriosa por outra bailarina (Chloë Grace Moretz) numa companhia de dança de Berlim vem carregada menções ao Holocausto e à prisão dos terroristas do grupo Baader-Meinhof. Minha impressão é que Guadagnino quer que o espectador assuma que seu filme fala de Coisas Importantes. Mas o faz de um jeito preguiçoso: o espectador que procure alguma relação entre esses episódios sombrios da história alemã e o fato de a companhia de dança ser, na verdade, um covil de bruxas. Pessoalmente, acho que não passam de alhos e bugalhos.
O novo Suspíria também capricha no elenco – ou pelo menos no calibre dele. Dakota Johnson é fraquinha de tudo, e estou até agora esperando Chloë Grace Moretz cumprir uma parte sequer da promessa que ela parecia ser em pequena, quando fez Kick-Ass. Tilda Swinton faz o que pode no papel da diretora artística/bruxa-mor da companhia (mais outros dois papéis em que está muito bem disfarçada). Mas às vezes nem Tilda consegue resolver um personagem escrito de maneira tão rala. Por fim, Guadagnino injeta mais dinheiro na produção do que Argento provavelmente gastou em toda a sua carreira. Não resolve; o visual é bonito mas não evoca nada – nem medo, nem inquietação, nem suspense, nada. O pior de tudo são as coreografias tipo assim, modernas e muito livres, com aquela coisa que vem de dentro, sabe? Um aborrecimento sem fim, exceto por uma cena, essa realmente muito boa e violentíssima, em que os movimentos que Dakota faz num lugar viram golpes de tortura numa bailarina que está em outro cômodo.
Guadagnino de fato sempre teve uma veia pretensiosa, que ficava bem saltada em filmes como Um Sonho de Amor e Um Mergulho no Passado (ambos, aliás, com sua musa Tilda Swinton, uma preferência que eu só posso elogiar). Mas ele deu três passos adiante com Me Chame pelo Seu Nome, ao lidar com sentimentos reais, não só a versão retocada pela direção de arte desses sentimentos. Com Suspíria, no entanto, ele volta dois passos para trás, e abraça de novo aquela presunção que tinha conseguido pôr de lado. Se eu já não gostava de Dario Argento, enfim, gosto menos dessa reencarnação dele em Luca Guadagnino. Mas, repito, tem muita gente boa que gosta. Na dúvida, é sempre melhor conferir pessoalmente.
Trailer
SUSPÍRIA – A DANÇA DO MEDO (Suspiria) Itália/Estados Unidos, 2018 Direção: Luca Guadagnino Com Dakota Johnson, Tilda Swinton, Chloë Grace Moretz, Mia Goth, Elena Fokina, Angela Winkler, Alek Wek, Malgorzata Bela Distribuição: PlayArte |