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Isabela Boscov

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Um programa para hoje: Ligeiramente Grávidos + Superbad

Por Isabela Boscov Atualizado em 11 jan 2017, 16h21 - Publicado em 18 jun 2016, 18h30

Quando Judd Apatow e Seth Rogen foram os reis da comédia

É um fenômeno que se repete: um diretor ou ator desponta como a grande força da comédia, domina o gênero por alguns anos e então, assim como veio, se esvai. Aconteceu com Jerry Lewis, com Jim Carrey, com os irmãos Farrelly e, mais recentemente, também com Judd Apatow.

Claro que aquilo que foi feito com brilhantismo não se perde. E a dobradinha composta por Ligeiramente Grávidos e Superbad – É Hoje, que Judd Apatow respectivamente dirigiu e produziu, e que lançou em um intervalo de apenas três meses (e isso na esteira do genial O Virgem de 40 Anos), continua a ser um desses momentos de felicidade: os dois filmes (ambos disponíveis no Netflix) não só combinam vulgaridade com doçura de maneira absolutamente genuína, como têm ainda agora (ou talvez mais ainda agora) muito a dizer sobre a metade masculina das duas últimas gerações. Seth Rogen é um componente importante da receita então seguida por Apatow: protagonista de Ligeiramente Grávidos e co-roteirista de Superbad, ele leva experiências imediatas de primeiro grau para os dois filmes.

Rogen, hoje em dia, tende a viajar no ego, especialmente quando está em companhia de James Franco. E Judd Apatow perdeu a leveza de uma década de atrás: dirigindo filmes como Bem-Vindo aos 40 e Descompensada ou produzindo séries como Girls e Love, ele parece muito mais interessado em neurose e em gente autocentrada do que naqueles personagens tão abertos para a vida quanto os de Virgem, Grávidos e Superbad. A comédia é um gênero cruel, que não perdoa quem perde a sintonia com ele. Mas, quando ela mira em certas verdades e acerta no alvo, pode durar para sempre.

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Leia a seguir as resenhas de Ligeiramente Grávidos e Superbad que publiquei quando os filmes entraram em circuito:


Ligeiramente Grávidos


Os novos românticos

Vulgar, mas doce, Ligeiramente Grávidos anuncia uma nova era para um gênero que parecia acabado

Benjamin é rechonchudo, nem alto nem baixo, e tem um penteado desastroso. Sua voz é anasalada e ele gosta de falar sobre Star Wars, maconha e sexo – sendo que seu conhecimento do terceiro tema é repleto de lacunas. Como se não bastassem todos os outros detalhes, Benjamin não trabalha. Há dez anos vive da indenização ganha por um acidente. Calcula que os 600 dólares restantes ainda possam durar dois anos, mas isso significa que ele não tem dinheiro para pagar um picolé a uma moça. Daí a surpresa quando a loira e linda Alison decide esticar a balada com ele. Numa das muitas sutilezas de Ligeiramente Grávidos, a câmera não se aproxima do comediante Seth Rogen para sublinhar a reação de seu personagem. Permanece a meia distância, deixando que o espectador observe, enlevado, a maneira como o rosto de Rogen se ilumina. O problema é que Alison, interpretada pela atriz Katherine Heigl, já bebeu demais na altura em que escolhe Ben como companhia. Bebeu tanto que, na hora H, nem percebe como ele resolve a questão do preservativo: arrumando um baita problema – aquele descrito pelo título do filme.

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Como em seu trabalho anterior, O Virgem de 40 Anos, o diretor Judd Apatow atinge em Ligeiramente Grávidos um equilíbrio quase impossível. Seu filme é vulgar e de uma obscenidade pueril; ao mesmo tempo, é de uma doçura imensa, além de uma compreensão sagaz dos jovens de hoje. As confusões de Ben e Alison lembram muito, no humor e nos desdobramentos, as “comédias abiloladas” dos anos 30 e 40, como Aconteceu Naquela Noite e Levada da Breca, nas quais pares como Claudette Colbert e Clark Gable, ou Katharine Hepburn e Cary Grant, obrigavam-se a rever seus conceitos do que seria ou não desejável num parceiro. Ligeiramente Grávidos tem essa mesma tensão amorosa, mas virada do avesso. Nesse mundo, as mulheres são ambiciosas, dedicadas e organizadas; os homens estão extraviados em algum ponto da adolescência. Cabe a eles dar lições sobre como pegar leve e se divertir um pouco.

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Em seus momentos mais felizes, Ligeiramente Grávidos advoga um passo adiante no feminismo. A irmã de Alison (interpretada pela impecável Leslie Mann, mulher do diretor) quer do marido mais maturidade e iniciativa, e não está errada. Mas Alison, que aprende a aceitar que Ben nunca será um executivo de carreira ou um grande tomador de decisões, também não está errada: por que buscar um “macho alfa” nos moldes convencionais se ela própria já é tão capaz de liderar a matilha? Não é por acaso, portanto, que Apatow e sua trupe se converteram na grande força da comédia romântica moderna. De um gênero que parecia condenado à inanidade, repetidamente explorando noções cansadas sobre homens e mulheres, eles estão tirando uma novidade – uma reflexão sobre o estado da guerra dos sexos tão pertinente à atualidade quanto a “comédia abilolada” o foi para seu tempo.

Isabela Boscov
Publicado originalmente na revista VEJA no dia 19/09/2007
Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A
© Abril Comunicações S.A., 2007

LIGEIRAMENTE GRÁVIDOS
(Knocked Up)
Estados Unidos, 2007
Direção: Judd Apatow
Com Seth Rogen, Katherine Heigl, Paul Rudd, Leslie Mann, Jason Segel, Jay Baruchel, Jonah Hill, Iris Apatow, Maude Apatow, Kristen Wiig, Harold Ramis


Superbad – É Hoje


Ligeiramente virgens

Judd Apatow e Seth Rogen, de Ligeiramente Grávidos, invertem os sinais da comédia adolescente em Superbad

Três adolescentes, a duas semanas de terminar o 2º grau, compreensivelmente começam a se desesperar com a perspectiva de chegar invictos ao fim de seu último ano letivo. Dois deles têm em vista candidatas com as quais gostariam de inaugurar sua vida sexual; o terceiro acaba de fazer uma carteira de identidade falsa. Se ela passar pelo crivo dos balconistas de lojas de conveniência, eles terão acesso a vodca e cerveja. Tem-se então uma equação perfeita: se na festa daquela noite (a primeira, em toda a sua carreira escolar, para a qual foram convidados) eles conseguirem embebedar as meninas, é possível que, com a visão turvada pelo álcool, elas acabem na cama com eles. “Mulheres embriagadas erram. Nós podemos ser esse erro!”, sonha o rechonchudo Seth (Jonah Hill), tentando persuadir seu melhor amigo, o certinho Evan (Michael Cera), a sonhar junto com ele. Seth, Evan e Fogell – que na carteira falsa aparece com o patético nome de McLovin – embarcam, então, naquela saga de tantas outras comédias estudantis americanas. Como nelas todas, o périplo dos personagens de Superbad – É Hoje começa em função do desespero, e de miragens de bebida e sexo. Mas termina no extremo oposto do habitual no gênero.

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Todas as razões pelas quais Superbad é tão igual e tão diferente convergem nos seus realizadores – Judd Apatow e Seth Rogen, diretor e ator de Ligeiramente Grávidos, que aqui ocupam as funções de produtor e co-roteirista. (Rogen, além disso, interpreta um policial que só conseguiria esse posto em caso de extinção, por doença ou hecatombe, de todos os homens em idade de recrutamento.) De novo mesclando obscenidade e meiguice de maneiras improváveis, eles expõem em detalhes excruciantes o assanhamento de seus personagens. Seth, em especial, é incapaz de dizer uma única frase ou fazer um único gesto que não contenha uma baixaria – quase sempre são muitas ao mesmo tempo. Mas Apatow e Rogen são também homens o bastante para assumir sem nenhuma reserva que, se os hormônios ditam, os sentimentos é que inspiram. Nenhum dos três protagonistas recusaria um avanço de um espécime feminino qualquer. Mas trabalham, no limite de seus recursos, para que esse avanço venha das meninas em que fixaram sua atenção – as quais, além dos atrativos óbvios, têm outros mais intangíveis e decisivos. Por exemplo, vivacidade, generosidade e perspicácia para compreender que, embora Seth e Evan às vezes ajam como maníacos, não pode haver nada de tão errado assim com dois sujeitos que são amigos tão leais um para com o outro.

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Esse, enfim, é o ponto a que Apatow e Rogen querem chegar. Na primeira cena do filme, Seth e Evan reviram os olhos e falam grosso para disfarçar seu constrangimento intenso quando alguém sugere que eles sentirão falta um do outro, por estarem indo para faculdades diferentes. Na cena final, eles se dão conta de que, sejam quais forem os ganhos da noite anterior, eles cobrarão uma perda: a de uma amizade indivisível e incondicional, como só na adolescência se experimenta. Qualquer pessoa do ramo sabe que não há negócio mais traiçoeiro do que o humor; de um dia para outro pode-se passar de rei da comédia a piada de mau gosto – e os irmãos Farrelly, que dominaram o território por anos depois de Quem Vai Ficar com Mary?, acabam de atestar essa máxima com o fiasco de Antes Só do que Mal Casado. Não é impossível que, daqui a dois ou três filmes, Apatow e sua trupe se vejam em situação semelhante de desfavor. Mas, neste momento, eles estão em completa sintonia com seu público. Porque são engraçados, sem dúvida. Mas mais ainda pela clareza e pelo desarme de sua visão.

Isabela Boscov
Publicado originalmente na revista VEJA no dia 24/10/2007
Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A
© Abril Comunicações S.A., 2007

SUPERBAD – É HOJE
(Superbad)
Estados Unidos, 2007
Direção: Greg Mottola
Com Michael Cera, Jonah Hill, Christopher Mintz-Plasse, Emma Stone, Bill Hader, Seth Rogen, Joe Lo Truglio, Kevin Corrigan, Dave Franco

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