A guerra de Putin deixou o Brasil de Bolsonaro mais vulnerável
Preços em alta, incertezas de abastecimento e BC separando reservas para proteger o real: eleição vai avançar em ambiente economicamente minado
O bloqueio das operações do Banco Central da Rússia, anunciado ontem à noite pelos Estados Unidos e a União Europeia, deu dimensão global à guerra de Vladimir Putin na Ucrânia.
Se efetivado na escala enunciada por Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, haverá congelamento da quase totalidade das reservas russas depositadas no exterior — estimadas em US$ 630 bilhões.
Com o Banco Central imobilizado, sem poder concluir pagamentos nas transações públicas e privadas de compra e venda, a consequência previsível é o aumento exponencial dos custos para se realizar negócios de qualquer natureza dentro da Rússia — das estruturadas negociações empresariais ao simples pagamento de um jantar com cartão de crédito.
A cereja do bolo no pacote de sanções econômicas de ontem foi o anúncio da suspensão de alguns bancos russos do sistema internacional de mensagens financeiras (SWIFT). O sistema bancário perderia parte da sua capacidade de intermediar exportações e importações. A partir de hoje, a Rússia ficaria financeiramente aleijada no comércio exterior.
São operações de difícil execução. Entre outras razões porque Putin se preparou. Mudou, por exemplo, a base financeira do comércio com a China. Há uma década quase todo o comércio Moscou-Pequim era em dólar, agora é menos de um terço.
É conflito econômico de repercussão planetária. O Brasil de Jair Bolsonaro, admirador de Putin, não tem muitas alternativas.
Será diretamente afetado, tanto pelos aumentos de preços quanto pelas incertezas no abastecimento de produtos importados essenciais.
A três meses do início da safra (2022/2023), o agronegócio brasileiro está em xeque. O país é totalmente dependente das importações de fertilizantes, compra no exterior nada menos que 90% do que consome na adubagem das lavouras.
Depende muito do suprimento de insumos agrícolas de quatro países que estão na zona de conflito — Rússia, Bielorrússia, Ucrânia e Lituânia. Quase metade (48%) do potássio provém de fornecedores russos e bielorrussos. A dependência da Rússia em nitrato de amônio é total (98%).
Os aumentos de preços tendem a se espraiar. Petróleo, trigo e milho, entre outros, estão subindo desde o dia da invasão da Ucrânia.
Ganha forma o risco de aumento da inflação durante toda a temporada eleitoral, em comparação com o ano passado (10%), por efeito de reajustes de preços em produtos como gasolina, diesel, gás, pão e carnes.
Há tempestade no horizonte: alta das cotações internacionais e do custo doméstico de produção, combinada com dificuldades no suprimento. As rotas de comércio marítimo estão sendo alteradas por causa do conflito — na sexta-feira, um navio cargueiro da Cargill foi bombardeado no Mar Negro.
A guerra de Putin vai custar caro à Rússia, indicam as sanções anunciadas ontem. Mas as sequelas econômicas serão globais.
A guerra de Putin deixou o Brasil de Bolsonaro ainda mais vulnerável. Num exemplo, o Banco Central atravessou a semana separando uma fatia das reservas cambiais, que somam R$ 350 bilhões, para tentar blindar a moeda, o real, de ataques especulativos.
A campanha eleitoral vai avançar num ambiente economicamente minado pela insatisfação do eleitorado.