Vem aí mais um pedido de impeachment de Jair Bolsonaro. É um campeão entre presidentes, já ultrapassou a marca dos 110 em 29 meses de mandato e avança para completar o dobro de Dilma Rousseff (PT), que ajudou a depor outono de cinco anos atrás.
Está previsto para ser apresentado na Câmara na quarta-feira, com aval de pelo menos nove partidos.
É novo sintoma de febre antiga numa república que, nos últimos 32 anos, já derrubou dois presidentes eleitos (Fernando Collor e Dilma) e assistiu outro (Michel Temer) escapar da cassação em três votações sucessivas — uma na Justiça Eleitoral e duas no plenário da Câmara.
Com Bolsonaro, os termômetros tradicionais se mostram insuficientes para captar a elevação da temperatura política.
As pesquisas se diferenciam na metodologia, mas todas apontam numa mesma direção: sete em cada dez eleitores dizem não confiar no presidente, cerca de 60% desaprova a maneira como administra o país e metade mantém a expectativa de que o restante do mandato dele deverá oscilar entre ruim e péssimo.
O presidente-candidato se mantém como fenômeno eleitoral. Se elegeu em 2018 com 58 milhões de votos, 55,1% dos válidos.
Bolsonaro continua sendo um prodígio político, agora com sinal trocado.
Seis de cada dez eleitores (exatos 62%) declaram que não votariam nele de jeito nenhum (eram 56% há quatro meses), de acordo com pesquisa do Instituto Ipec divulgada ontem à noite.
Em política, a ressurreição é sempre possível, mas requer habilidade e alguma sensatez — mercadorias escassas no Palácio do Planalto, onde a opção preferencial é pelo confronto permanente e, contrariando os manuais de estratégia produzidos nos últimos dois mil anos, sem preocupação com a linha de retirada.
O novo pedido de impeachment é apenas novo reflexo da convulsão de um país com mais de 500 mil mortos no descontrole da pandemia, renda mais concentrada, pobreza avançando e pobres em idade economicamente ativa sem alternativa de atividade produtiva.
A tendência é que vá para a gaveta do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Ele tem o “poder monocrático”, lembra o cientista político Sergio Abranches, amparado numa legislação de 1950 (Lei do Impeachment) que todos no Legislativo se recusam a mudar.
Além disso, não há noção de tempo estabelecida na Constituição para que a Presidência da Câmara avalie um processo de impeachment, como estabeleceu o juiz Kassio Nunes Marques, do Supremo, no início de maio.
Horas depois dessa sentença, o deputado Lira promoveu uma cerimônia do adeus privada para uma centena de pedidos de impeachment de Bolsonaro.
Por coincidência, anunciou o descarte da papelada na gaveta, herdada do antecessor Rodrigo Maia com alguns acréscimos, depois que o Diário oficial estampou a sanção presidencial ao Orçamento de 2021, com R$ 20 bilhões reservados aos líderes do Centrão, o agrupamento parlamentar que elegeu e sustenta Lira no comando da Câmara.
O interessado desinteresse no impeachment não é exclusividade do Centrão. Permeia os atos oposicionistas de todos os matizes.
Na vida real, hoje Bolsonaro é a melhor mercadoria política na praça, para quem vive do governo ou está na oposição.
Se para o Centrão é fonte de custeio dos mais diversos projetos, mesmo conflitantes nos partidos, nos Estados e Municípios, para oposicionistas ele é o adversário dos sonhos eleitorais.
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Carrega o peso de mais de 500 mil vítimas do próprio descontrole na pandemia, governa uma economia combalida com 14 milhões de desempregados e quatro vezes mais desalentados, está com rejeição recorde e é diagnosticado com pouca chance de recuperação, pelo menos enquanto durar a CPI da Pandemia no Senado.
Hoje, Bolsonaro parece mais útil a todos arrastando correntes dentro do Planalto, pelos parâmetros do cinismo político dominante. Amanhã é outro dia — e como diz o economista Eduardo Gianetti da Fonseca, o centro de gravidade do Brasil é o futuro.