Surpresa dos eleitores nas grandes cidades: erraram os chefes de partidos e candidatos que apostaram numa campanha eleitoral para prefeito e vereador “polarizada”, “nacionalizada” ou simplesmente alinhada ao embate entre Lula e Jair Bolsonaro. Alguns imaginaram que seria um dos fatores decisivos do voto. Não aconteceu, até agora.
Mais da metade do eleitorado insiste em ressaltar em diferentes pesquisas a preferência por candidatos sem vínculos com os dois líderes nacionais. Eles têm peso específico, mas seu apoio a um candidato não é percebido como determinante pela maioria.
A razão é tão óbvia que beira a irrelevância, e, ainda assim, foi subestimada por chefes de partido, candidatos e publicitários. Eleitores não desejam ver prefeituras e câmaras municipais transformadas em palanques para a próxima eleição geral, daqui a dois anos. Pretendem, ao contrário, que prefeitos e vereadores se dediquem a partir de janeiro à melhoria dos serviços de saúde, educação, creche, transporte, limpeza e infraestrutura urbana.
Um mapa dos desejos e ansiedades dos eleitores brasileiros está desenhado em pesquisa com 3 000 pessoas realizada pelo Ipespe no mês passado para a Federação Brasileira de Bancos. Os resultados, disponíveis na rede, mostram que a atuação de prefeitos e vereadores tem reflexos diretos na vida pessoal (para 57%) e comunitária (78%).
Há uma clara percepção (68%) das fronteiras de ação entre governos federal, estaduais e municipais. Mas, outra surpresa, a maior parte (66%) do eleitorado acha que é preciso descentralizar o poder para premiar as cidades com maior e melhor divisão de recursos e de responsabilidades entre a União, os estados e os municípios.
A defesa de maior autonomia na gestão dos municípios é um dos aspectos políticos mais relevantes e interessantes nessa pesquisa. Ampla maioria (66%) gostaria de ver as prefeituras com mais poder e dinheiro em caixa. A ênfase é comum em todas as regiões e segmentos sociais. Transparece com mais eloquência nas áreas de periferia urbana (70%) e nos estados do Centro-Oeste (74%).
“Surpresa: eleitor rejeita condicionar a eleição ao embate Lula x Bolsonaro”
Essa importância atribuída à tomada de decisões no microcosmo das comunidades tende a influir no rumo do debate em Brasília sobre modificações no modelo federativo, cujos rígidos limites administrativos foram estabelecidos na Constituição de 1988.
A ideia de mudança permeia as expectativas dos eleitores, mas eles se dividem na preferência sobre o futuro da gestão das cidades onde vivem. Pouco mais de um terço (33%) tende a votar em candidato a prefeito “que dê continuidade” à forma como seu município vem sendo administrado. Outro terço gostaria de alguém “que mude um pouco a forma de administrar”. Curiosamente, a opção por equilíbrio entre aquilo que está aí e alguma mudança ganha realce entre jovens de 18 a 24 anos (44%).
Ajuda a entender os limites da renovação política no comando das prefeituras expostos em quase todas as pesquisas. Antonio Lavareda, do Ipespe, lembra que nas capitais há vinte prefeitos disputando a reeleição. Desses, doze lideram as sondagens, com alto índice (60%) de preferência. “Pode aumentar, chegar a catorze (70%) a proporção de prefeitos com chance real de reeleição. Esse é o ‘drive’ principal dessa eleição: a força da incumbência, que sobrepuja de longe o fator ‘polarização’.”
Soma-se um fenômeno, o da relativa diminuição do tamanho institucional da Presidência da República — observa Creomar de Souza, da Dharma Consultoria. “Diminuiu de tamanho com Dilma Rousseff e com Michel Temer, por efeito do impeachment, e com Bolsonaro pelo histrionismo. Veio Lula, sob a expectativa de recolocar a Presidência na centralidade do jogo político, mas, por vários fatores — deficiências dele mesmo ou de assessoria —, o que a gente está vendo aí é um contínuo enfraquecimento da institucionalidade presidencial. Como consequência, temos o crescimento de algumas figuras regionais empenhadas num esforço talvez inconsciente, mas concreto, de ‘desnacionalizar’ a disputa para prefeito.”
Faltam apenas seis semanas para as eleições de prefeito e vereador. Os eleitores seguem impondo sua lógica, sem “polarização” ou “nacionalização” do voto, para surpresa ou decepção de alguns candidatos e líderes políticos — Lula e Bolsonaro entre eles. Se isso vai ter consequências ou não nas eleições gerais de 2026, é outra história.
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Publicado em VEJA de 16 de agosto de 2024, edição nº 2906