Cresce no Partido dos Trabalhadores a oposição à aliança entre Lula e Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo.
Para levar o acordo adiante, como parece disposto, Lula precisará se impor ao PT, talvez numa versão recauchutada do antigo “centralismo democrático”, onde o líder manda e os liderados até podem discordar, mas obedecem.
Sua primeira experiência do gênero ocorreu em 2002 no convite a José Alencar para a vice-presidência. Lula encontrou o parceiro ideal no senador de Minas Gerais, conservador, empresário, autêntico representante da ‘burguesia industrial”, na definição de José Dirceu, mais tarde chefe da Casa Civil.
Eram diferentes e divergentes em quase tudo, apesar da eficiente propaganda petista divulgar o oposto. Souberam degustar bagaceiras da adversidade e se tornaram amigos no poder, raridade na paisagem de Brasília.
Naquele 2002, Alencar virou símbolo da aliança de Lula com forças políticas que por treze anos o haviam derrotado, em três disputas presidenciais.
Alencar abandonara o MDB e não tinha partido. Lula e Dirceu fizeram um acordo de R$ 20 milhões (valor da época) com Valdemar Costa Neto para abrigá-lo no Partido Liberal — o mesmo escolhido por Jair Bolsonaro para tentar a reeleição neste ano.
A resistência petista ao vice “da burguesia” levou Lula e Dirceu à sondagem de uma alternativa mineira, o deputado Patrus Ananias, militante católico e ex-prefeito de Belo Horizonte. Não foi necessário. Venceram na convenção.
Se passaram duas décadas e o impasse com Alckmin mostra Lula e o PT prisioneiros de uma relação mal resolvida.
Se o líder, favorito nas pesquisas, enxerga no ex-governador paulista um tipo ideal para a vice como foi Alencar, parcela significativa dos liderados vê em Alckmin o emblema da precipitação num pacto com o “neoliberalismo”, o “golpismo”, o “privatismo” e o “antitrabalhismo”, entre outros “ismos”.
Alckmin é tratado como um problema desde a chamada “esquerda” petista ao grupo mais alinhado a Lula.
Luiz Marinho, três vezes presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, cidade onde foi prefeito, e ex-ministro da Lula (Trabalho e Previdência), propaga sua “ojeriza” ao possível vice. “Temos uma disputa histórica”, disse à repórter Vera Rosa, do Estadão. “Ele foi o chefe da comissão de desestatização em São Paulo, e não vamos vender patrimônio na bacia das almas.”
A rejeição é justificada em diferentes manifestos. “Ter Alckmin como vice” — alega o grupo O Trabalho — “seria ir em sentido contrário do que deve ser feito para que o PT, com Lula, volte a governar o país para reconstruí-lo e transformá-lo.”
Na Democracia Socialista, um dos núcleos fundadores do PT, argumenta-se que “fazer um pacto com os neoliberais não bolsonaristas e com o sistema financeiro, base fundamental do poder neoliberal, é incompatível com o próprio sentido e programa de um futuro governo Lula, além de diminuir a potência possível de sua vitória eleitoral.”
Em outra corrente, Diálogo e Ação Petista, julga-se “inaceitável” entregar a vice a Alckmin, “candidato a um novo Temer — como esquecer?” Para a DS, “significa a aliança com um inimigo dos trabalhadores, o que já provou à farta como governador de São Paulo por vários mandatos”.
Uma das declarações públicas antiAlckmin foi postada na internet, na virada do ano, aberta a adesões. É capitaneada por dois ex-presidentes do partido, José Genoino e Rui Falcão, e contém um evidente exagero. O ex-governador é repudiado, entre outros motivos, como ameaça fatal: “Devemos zelar pela vida do companheiro Lula.”
Nas conspiratas, há até quem acredite que Lula, nos bastidores, esteja estimulando esse processo de fritura dentro do partido.
Não é possível afirmar se Alckmin será ou não candidato a vice-presidente de Lula. Única certeza é a de que o ex-governador não sairá incólume desse acerto de contas petista. E isso abre um leque de dúvidas sobre um eventual governo Lula.