Jair Bolsonaro deve interromper o autoexílio nos Estados Unidos. A pressão para abandono do refúgio em Orlando nasceu no Partido Democrata, por iniciativa de parlamentares como Maxwell Frost, da Flórida, e Alexandria Ocasio-Cortez, de Nova York. Floresceu na agenda da Casa Branca a partir do telefonema de Joe Biden a Lula, na segunda-feira 9.
Horas depois, Jacob Jeremiah (“Jake”) Sullivan, assessor de Segurança Nacional de Biden, informou que, se houvesse um pedido do Brasil para reexame da permanência do ex-presidente nos EUA, “nós o trataríamos com seriedade”.
No domingo 8, Bolsonaro estava na cidade dos parques temáticos habitados por personagens míticos como o Pateta, de Walt Disney, a 6 000 quilômetros de Brasília. Mas pairava sobre as invasões do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso.
Invasores não escondiam o objetivo da insurreição: provocar a intervenção das Forças Armadas para depor Lula e entregar o governo a Bolsonaro, derrotado pelo voto da maioria (60 milhões) em outubro.
As tropas ficaram nos quartéis. Foram motivadas pelo senso de profissionalismo nos comandos, reorganizados pelo ministro da Defesa, José Múcio, e também pela ação diplomática dos EUA, Europa e China.
O único agrupamento militar com o dever de mobilização, manteve-se imóvel: o Batalhão da Guarda Presidencial não protegeu as sedes de governo na Praça dos Três Poderes. Criado pelo imperador dom Pedro I, esse corpo de Exército completa 200 anos na quarta-feira (18). É unidade de elite, cujo estandarte estampa “Batalhão Duque de Caxias”, envolto em arco de ouro, homenagem a um dos seus integrantes, Luís Alves de Lima, escolhido patrono do Exército.
No histórico dessa tropa destaca-se uma intervenção nas ruas de Brasília, em setembro de 1963, para encerrar uma sublevação de cabos e sargentos contra o Supremo Tribunal Federal por torná-los inelegíveis. Os militares rebeldes chegaram a deter o presidente em exercício da Câmara, o deputado Clóvis Motta, e um juiz do STF, Victor Nunes Leal. Desta vez, porém, não se escutou o tradicional grito de arma (“a Guarda morre, mas não se rende!”), o batalhão permaneceu imóvel durante o ataque.
“Sob pressão nos EUA, Bolsonaro quer anistia ampla, geral e irrestrita”
Mais eloquente foi o silêncio de Bolsonaro. Às vésperas da invasão, recebeu informações do amigo e general aposentado Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, visto no Congresso como um dos inspiradores da rebeldia organizada. No sábado, quem o atualizou foi o ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Ele viajou à Flórida depois de assumir a Secretaria de Segurança do Distrito Federal, trocar os comandos e mudar, sem aviso, o plano de proteção de Brasília combinado com o governo federal. Em vez de contidos, os invasores saíram escoltados pela Polícia Militar do acampamento diante do quartel-general do Exército, e avançaram até as sedes do governo federal, do Congresso e do Judiciário. Torres, delegado da Polícia Federal, foi demitido da secretaria e teve prisão decretada pelo STF.
Bolsonaro evitou apoio explícito à insurgência. Afastou-se quando o fracasso estava evidente, mas continuou onipresente. Como não existe álibi perfeito na política, acabou isolado. Tornou-se pesado demais para alguns dos aliados. Ficou radioativo para outros. Perdeu força na antiga base parlamentar. Uns porque não suportam a orfandade do poder. Outros, já sob investigação conduzida pelo STF, não querem ficar expostos na CPI da Insurreição, a ser instalada em fevereiro.
É visível uma réstia de fidelidade no Congresso. O roteiro, agora, prevê a “luta” por anistia. Ela foi planejada ainda na gestão Bolsonaro. Começou a tramitar no fim de novembro como projeto (nº 2858/22) do deputado Vitor Hugo, do Partido Liberal de Goiás, um ex-oficial de Operações Especiais escolhido por Bolsonaro como líder na Câmara. Outra proposta (nº 2954/2022) foi apresentada antes do Natal pelo deputado José Medeiros, do PL de Mato Grosso, ex-policial rodoviário. Um propõe perdão a todos “manifestantes, caminhoneiros e empresários”. Outro quer remissão de culpa nos “atos individuais, coletivos, ou de financiadores”.
Bolsonaro sonha voltar com anistia ampla, geral e irrestrita. Falta combinar com a sociedade, começando pelo depredado Supremo Tribunal Federal.
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Publicado em VEJA de 18 de janeiro de 2023, edição nº 2824