Avanço de Bolsonaro provoca crítica sobre ‘arrogância’ na campanha de Lula
A sete semanas da eleição, Lula lidera mas a vantagem sobre Bolsonaro caiu pela metade
Lula lidera, mas Jair Bolsonaro encurtou muito a distância, e isso está produzindo uma crise na campanha lulista.
Seis meses atrás, eles um oceano os separava nas pesquisas. A vantagem acima de 20 pontos percentuais dava a Lula sensação de conforto para fazer o que desejava, inclusive atropelar interesses dos aliados. “Não quero ser candidato do PT”, dizia, “quero ser candidato de um movimento”.
A sete semanas das eleições, o cenário é outro. Bolsonaro avançou, e a diferença caiu pela metade. Ele cresceu no Sudeste, entre homens e, principalmente, na faixa de renda superior a cinco salários mínimos (R$ 6,1 mil) mensais.
O “movimento” de Lula, por enquanto, continua basicamente restrito ao grupo de aliados das últimas quatro décadas. Entre as exceções se destaca o deputado federal André Janones, do Avante de Minas Gerais, que no início do mês resolveu renunciar à própria candidatura e apoiar o ex-presidente.
Janones, 35 anos, advogado de profissão que emergiu na política defendendo caminhoneiros autônomos no locaute de 2017, tornou-se uma voz independente e crítica na campanha de Lula. Tem repetido em público, às vezes por escrito em redes sociais, aquilo que muitos lulistas dizem em privado.
Na sexta-feira, por exemplo, protestou: “Enquanto a esquerda não trocar ‘renda mínima’ por ‘dinheiro pro povo’; ‘carta em defesa a democracia’ ao invés de ‘carta em defesa do povo’; e, ‘nossas diretrizes de programa’ por ‘nossas propostas para os brasileiros’, o bolsonarismo continuará nadando de braçadas.”
Exemplificou com os riscos para a oposição em Minas Gerais, onde a vantagem de Lula também caiu pela metade, para 9 pontos percentuais, segundo a Quaest. O Estado abriga 16,3 milhões de eleitores (10,4% do total nacional), espalhados por 854 municípios — somente 19 cidades com mais de 100 mil e apenas dois milhões vivem na capital.
“Essas eleições serão decididas nas cidades interioranas, cidades de 2, 3, 20 mil habitantes, totalmente fora do radar da esquerda, mas onde o bolsonarismo tem livre acesso”, argumentou. “Por lá, o ‘Face’ é o WhatsApp. Não é uma rede, mas sim um jornal’. O que sai por lá, vira verdade absoluta, instantaneamente. E o bolsonarismo sabe bem disso (…) Ou a gente sai das ‘fiesps’ da vida, da USP e do Twitter e tomamos os grupos de ‘Whats’, as comunidades, as feiras populares e o interior do país, ou já era.”
Acrescentou: “Chega de esperar que o povo venha até nós, é hora de irmos ao povo! O pedreiro, a doméstica, o garçom também querem escrever uma carta, porém não têm quem leia.”
Na essência, resumiu as críticas internas à prevalência da “arrogância” no lulismo nessa etapa, com intensas disputas internas por fatias do fundo eleitoral e por espaços no desenho de um futuro governo, se houver.
Em outubro será possível aferir se esse tipo de diagnóstico das fragilidades de Lula está correto ou não. Por enquanto, ele lidera aliados em jogo parado, aparentemente à espera da adesão por gravidade, para conduzir “o movimento” oposicionista.
Pode dar certo, mas o cenário eleitoral do lulismo fixou mais complexo com a injeção de dinheiro do governo diretamente no bolso da metade mais pobre do eleitorado.
Neste mês, a quantidade de moeda transferida a 17 milhões de famílias deverá ser três vezes maior do que foi em julho do ano passado. Vai dinamizar a economia, sobretudo nas cidades interioranas.
Lula diz que “é a maior distribuição de dinheiro que uma campanha política já viu desde o fim do Império”. Talvez seja exagero, mas ele sabe do que se trata — com esse tipo de manobra no Bolsa Família assegurou a reeleição em 2006, limpando a cena da crise do mensalão. Desta vez, numa ironia da história, Bolsonaro obteve autorização do Congresso com o apoio da maioria de votos da oposição.