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Bolsonaro erra na política e Brasil fica sem EUA, Otan e Rússia

Sucessivos tropeços nas relações políticas levaram o governo ao fracasso em acordos com os EUA, Otan e a Rússia de Putin

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 1 mar 2022, 10h34 - Publicado em 28 fev 2022, 08h00

No domingo iluminado de um Carnaval adiado pela pandemia, o candidato saiu para um relaxante passeio de jet-ski pelas praias do Guarujá.

Na volta, desembarcou na areia fina de Guauíba, repleta de eleitores em veraneio. Cumprimentou-os, e seguiu para descanso no Forte dos Andradas, estrutura de câmaras e túneis escavados a 300 metros acima do mar na paradisíaca Ponta de Munduba — obra icônica da engenharia militar na Segunda Guerra Mundial para ajudar a proteger o Porto de Santos dos inimigos nazistas.

Ao pôr-do-sol, Jair Bolsonaro recebeu jornalistas. Falou rapidamente sobre as vulnerabilidades do país e a prioridade do seu governo na desordem global provocada pela guerra na Ucrânia: “Para nós, a questão do fertilizante é sagrada. E nossa posição, como acertado com o [chanceler] Carlos França, é de equilíbrio. Nossa posição tem que ser de bastante cautela para não trazermos problemas para o nosso país.”

Sua neutralidade não durou muito. Acabou quando ouviu a expressão “massacre na Ucrânia”. Retrucou em defesa de Vladimir Putin, presidente da Rússia, a quem visitou uma dúzia de dias atrás, em Moscou.

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“Eu entendo que não há interesse por parte do líder russo de praticar um massacre — advogou. “Ele está se empenhando em duas regiões do Sul da Ucrânia, onde, em referendo, mais de 90% da população quis se tornar independente, se aproximando da Rússia.”

Para Bolsonaro, a guerra expansionista de Putin não existe. A invasão da Ucrânia nem foi escolha dele, mas necessidade de bombardear e anexar o país vizinho para “atender” ao apelo da fração dos 44 milhões de ucranianos ansiosa para obter passaportes russos. É, no máximo, uma operação por ar, terra e mar de 150 mil soldados para “desmilitarizar” um par de províncias sulistas, como se repete na propaganda do Kremlin.

Autoengano pode ser um bom recurso para sobrevivência, ensinou Jane Wagner, autora de “A Busca por Sinais de Vida Inteligente no Universo”. Talvez, seja o caso de Bolsonaro diante dessa tragédia global.

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Na vida real, sobram-lhe motivos, muito além da afinidade com Putin no autoritarismo.

Bolsonaro comanda um governo que, por tropeços políticos, acumula fracassos nos seus projetos militares mais ambiciosos — alguns secretos.

Há décadas, as Forças Armadas mantêm a expectativa de que o Brasil tenha acesso às vantagens tecnológicas e financeiras na compra de material bélico usado pelos países que integram a Otan, a aliança militar atlântica.

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Aos seis meses de mandato, a sorte pareceu sorrir para Bolsonaro, indisciplinado capitão convidado a deixar o Exército nos anos 80, agora cumprimentado pelos oficiais como comandante-em-chefe. Em junho de 2019, Donald Trump disse-lhe designaria o Brasil como “aliado ex-Otan”, credencial de aliado para negócios com o complexo industrial-militar dos Estados Unidos.

Bolsonaro fez o anúncio na base do Exército em Santa Maria, Rio Grande do Sul, em festa de homenagem ao marechal Émille Louis Mallet, patrono da Artilharia.

Na época, ele e Trump desfrutavam de bons índices de avaliação na opinião pública, reforçando suas expectativas de continuidade no poder. Veio a pandemia, e o cenário mudou.

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De Brasília, Bolsonaro atravessou a campanha americana empenhar em hostilizar o candidato democrata Joe Biden, adversário de Trump. Biden venceu, mas Bolsonaro seguiu ecoando Trump nas suspeitas de fraude eleitoral — refutadas pela Justiça dos EUA. Dono da maioria na Câmara, o Partido Democrata congelou acordos com o governo brasileiro. Principalmente, os de tecnologia militar previstos na aliança “extra-Otan”.

Em meados do ano passado, o Itamaraty sondou a Otan sobre a eventual participação brasileira em iniciativas de defesa cibernética. O Kremlin saltou à frente com oferta de um leque de negócios, com ênfase na área nuclear.

Em novembro, o chanceler Carlos França foi a Moscou. No mês seguinte, o almirante Flávio Rocha, secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência, passou uma temporada no Ministério da Defesa da Rússia.

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Bolsonaro: “Eu entendo que não há interesse por parte do líder russo de praticar um massacre” — (./Reprodução)

À margem da crise da Ucrânia, que avançava, combinou-se um acordo militar Brasil-Rússia, com extensões em áreas civis, como petróleo, gás e derivados (investimento russo em fábrica de fertilizantes da Petrobras abandonada no Mato Grosso do Sul).

O projeto militar era ambicioso, previa cooperação tecnológica integrada no ciclo de enriquecimento de urânio, em sistemas elétricos e de isolamento para o reator do submarino nuclear brasileiro.

Em empreendimentos civis alinhavam-se a conclusão da usina nuclear de Angra III e construção de novas centrais, com participação da Rosatom, estatal controladora de três centenas de empresas russas envolvidas na fabricação de armas atômicas, pesquisa e serviços de controle de radiação.

Incluía, também, transferência tecnológica de centrais nucleares modulares, de pequeno porte, mineração de urânio e de terras raras, e ampliação de produtos isotópicos para medicina — com inovações, como o suprimento de lutécico e actínio.

Bolsonaro foi ao Kremlin. Dez dias depois, a Rússia invadiu a Ucrânia. A aliança extra-Otan continua no papel, e o acordo militar com a Rússia virou poeira na guerra de Putin.

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