Bolsonaro teme abalo na agricultura por dependência da Rússia
Jair Bolsonaro vai ao Kremlin com a ideia de obter de Vladimir Putin garantias de oferta e alguma estabilidade de preços nos insumos para novas safras
O governo brasileiro teme os danos colaterais da crise da Rússia com a Europa e os Estados Unidos, que tendem a ser agravados com a escalada do conflito na Ucrânia.
Jair Bolsonaro embarca hoje à noite para Moscou com a ideia de obter do governo Vladimir Putin garantias de oferta e alguma estabilidade de preços nos insumos para novas safras brasileiras.
Ano passado gastou US$ 15,2 bilhões (R$ 83,6 bilhões) na compra desses insumos, valor 90% maior que em 2020. Comprou 41,5 milhões de toneladas de fertilizantes, volume 22% maior.
O problema é que essa extrema dependência externa — e principalmente da Rússia — está tendo custo crescente a uma velocidade recorde: ano passado, o país pagou (US$ 364,3 por tonelada) 56% acima do preço médio de 2020.
Até outubro, quando o Itamaraty começou a organizar a visita de Bolsonaro ao Kremlin, essa alta de preços estava sendo impulsionada pelos efeitos da pandemia, da crise energética global e do consequente tumulto no comércio mundial.
Faltavam navios e contêineres, sobrava congestionamento nas rotas. Os preços dos fretes marítimos dispararam.
A partir de novembro, a escalada no conflito da Rússia com a Europa e os Estados Unidos introduziu o imponderável no suprimento mundial de insumos vitais à agricultura: a incerteza sobre o futuro abastecimento de fertilizantes.
O agronegócio brasileiro é absolutamente dependente de quatro fornecedores: China, Rússia, Ucrânia e Lituânia.
Descontada a China, que no ano passado já reduziu a produção por prioridades domésticas, o setor agroindustrial — responsável por 26% do Produto Interno Bruto brasileiro — está literalmente na dependência de fornecimento de insumos de três países que estão no centro do maior conflito geopolítico mundial (Rússia, Ucrânia e Lituânia).
Da Rússia, por exemplo, saem 22% de todo fertilizante que o Brasil consome. Foi a maior fonte individual de suprimento no ano passado, entregou 9,3 milhões de toneladas, cerca de 40% a mais que a China.
Em alguns produtos, como nitrato de amônio, a dependência brasileira é total: 98% das compras são feitas na Rússia. Em preparação para o conflito na Ucrânia, Putin proibiu as exportações desse produto até 1º de abril. A partir daí, é só incerteza.
Na sexta-feira, operadores de crédito rural, como o holandês Rabobank, com mais de um século de experiência no setor, começaram a emitir alertas sobre o nível de exposição da agricultura brasileira no conflito.
Alternativas de suprimento sempre são possíveis, o problema é o preço. Grandes conflitos têm alto custo.
Antes da escalada na Ucrânia, o Brasil ficou refém da alta de 190% nos preços mundiais dos fertilizantes à base de potássio, de 100% nos fosfatados e de 90% nos nitrogenados.
Bolsonaro insistiu em viajar a Moscou no meio da crise, numa aposta que julga relevante para a sua reeleição. Convidado por Putin, planeja conseguir algum tipo de garantia de abastecimento de insumos essenciais à agricultura no curto prazo, a preços razoavelmente ajustados.
O ambiente é favorável, indica a previsão de acordo com investidores russos para assumir numa fábrica de nitrogenados da Petrobras abandonada no Mato Grosso do Sul — reduto eleitoral da ministra Tereza Cristina (Agricultura), senadora licenciada e considerada no governo como mais provável candidata a vice-presidente de Bolsonaro.
Para o candidato à reeleição, qualquer acerto em Moscou seria um trunfo potencial junto à base de eleitores cuja vida depende dos rumos do agronegócio. Eles o sustentaram na campanha de 2018 e, pelas pesquisas recentes, ainda o mantém na liderança nas regiões agrícolas, embora sua vantagem sobre Lula esteja declinando no Centro-Oeste.
Bolsonaro vai ao Kremlin preocupado com os efeitos do conflito na Ucrânia na sua campanha pela reeleição.