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Campos Neto fez o que Lula queria e o deixou numa encruzilhada

É incomum um presidente se referir a um funcionário com insinuações públicas sobre supostos delitos éticos no comando da autoridade monetária

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 13 Maio 2024, 23h03 - Publicado em 3 ago 2023, 09h00

“Esse rapaz…” — é a forma como Lula se refere em público a Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central. O tom e a sequência das frases não indicam tratamento cortês, distanciado, de uma pessoa 23 anos mais velha a alguém nascido em 1969, ano em que celebrava o primeiro mês de casamento com a mineira Maria de Lourdes da Silva, irmã do amigo Lambari, Jacinto Ribeiro dos Santos na carteira de identidade. Ela morreu dois anos depois, vítima de hepatite e grávida — o filho também não sobreviveu.

Lula não gosta de Campos Neto. Faz questão de deixar isso muito claro todo o tempo. Nesta quarta-feira, 2, por exemplo, em entrevista a correspondentes estrangeiros, horas antes de o Banco Central cortar a taxa de juros (0,5), pela primeira vez em um ano: “Esse rapaz que está no Banco Central, me parece que ele… Não sei do que ele entende, mas ele não entende de Brasil e não entende de povo”.

Continuou: ” Então, tem uma lógica… Eu não sei a quem ele está servindo, não sei, sinceramente eu não sei. Aos interesses do Brasil, não é…”.

Não é só pelos juros, dos mais altos do planeta, ou pela camisa amarela, apropriada pelo bolsonarismo como símbolo eleitoral, que Campos Neto vestiu, foi à rua e se deixou fotografar na eleição de outubro passado. Lula sempre escolheu adversários por instinto. Alguns demonizou temporariamente, caso de Geraldo Alckmin, seu vice-presidente. Transformou outros em inimigos permanentes. O desprezo contido (“Esse rapaz…”) sugere ter decidido enquadrar Campos Neto numa transição de molduras — de adversário para inimigo.

É incomum um presidente se referir a um funcionário dessa forma, ainda mais com insinuações públicas sobre supostos delitos éticos no comando da instituição que é a autoridade monetária (“Não sei a quem ele está servindo”; “aos interesses do Brasil, não é…”)

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Lula viu em Campos Neto algo que não gostou, e não significa que esteja certo. Em seis meses de governo, nunca recebeu o presidente do Banco Central, mas também não se conhece registro de pedido de audiência.

É um duelo entre desconhecidos. Por opção de Lula, que aparenta ter esquecido na cela de Curitiba, onde amargou 580 dias preso, sua antiga e peculiar leveza nas relações.

Getulio Vargas, a quem elegeu como referência, fazia inimigos por instinto utilitário. “O senhor tem inimigos?”, provocou o biógrafo Emil Ludwig numa conversa citada em “Getulio”, de Lira Neto. “Devo ter; mas não tão fortes que não possa torná-los amigos”, ele rebateu. “E amigos?”, ironizou Ludwig, que ouviu: “Claro que os tenho; mas não tão firmes que não venham a se tornar inimigos”.

Campos Neto, provavelmente, surpreendeu Lula com o voto decisivo para a redução da taxa de juros. Não há razão para imaginar que tenha sido motivado pela armação patrocinada pelo Planalto no Senado para submetê-lo a julgamento — até porque, nessa hipótese, o governo se lançaria num abismo político com consequências econômicas imponderáveis.

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A despeito da motivação, o presidente do BC fez o que Lula desejava havia meses, mas o deixou numa encruzilhada.

Como as contas nacionais de 2023 estão praticamente liquidadas, e em Brasília raros são aqueles que acreditam num déficit de apenas 1% do Produto Interno Bruto, o problema, agora, está nas contas públicas do ano eleitoral de 2024. Faltam aproximadamente 200 bilhões de reais para equilibrá-las.

Para fechar o próximo ano com déficit zero, como anunciado, Lula precisa acelerar a atividade econômica desde já, num ritmo há tempos perdido nos livros de história. Como está sem os meios necessários, precisa jogar com a sorte. A alternativa é aumentar impostos, a carga tributária, numa derrama de curto prazo. O risco é vitaminar a oposição.

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