Crime, petróleo e mistério no Rio
Herdeiros de executivo da Shell processam governo dos EUA para expor arquivos do FBI sobre duplo assassinato e suspeitas de corrupção em negócios no Brasil
Uma residência invadida de madrugada no condomínio Porto dos Cabritos, na Barra da Tijuca, no Rio. Um casal assassinado na cama, mutilado. Zera Todd e Michelle Staheli, as vítimas, tinham quatro filhos e eram mórmons de Utah (EUA). Executivo da Shell, ele havia sido transferido de Riad, na Arábia Saudita, para o Rio.
O crime aconteceu no último fim de semana de novembro de 2003. O mistério permanece. Não houve arrombamento, nada de valor aparente sumiu, nem mesmo o relógio Rolex de ouro encontrado sobre a cômoda. A arma do crime desapareceu. O primeiro suspeito, um caseiro, acabou preso e condenado a 25 anos. Confessou, depois negou, cumpriu metade do tempo na cadeia, e fugiu.
Para a família, a história não terminou. Ela batalha na Justiça americana para avançar na investigação, 18 anos depois. Não se contenta com a versão de crime comum sustentada pela polícia carioca. Desconfia de crime político.
Os herdeiros de Staheli iniciaram um processo contra o Departamento de Estado, equivalente ao Itamaraty brasileiro, para “obrigar a liberação de todo e qualquer registro”, incluindo arquivos do FBI, cujos agentes na época estiveram no Rio acompanhando o caso.
A teoria apresentada num tribunal de Utah é a de um duplo homicídio possivelmente vinculado a transações com petróleo. Staheli, argumentam seus herdeiros, auditava negócios da Shell com a Petrobras no Brasil, em 2003. Checava “suspeitas de apropriação indébita de fundos”.
A família enlaçou a tese à investigação conduzida pelo Departamento de Justiça e a SEC – a CVM americana -, sobre a corrupção na Petrobras desde 2003, com participação de executivos, partidos e políticos. A Petrobras pagou multa de US$ 860 milhões (R$ 4,8 bilhões) para se livrar de processos na versão americana da Lava Jato.
Semana passada, advogados dos Staheli informaram ao repórter Scott Pierce (The Salt Lake Tribune) que o Departamento de Estado assumiu o compromisso de apresentar no tribunal papéis que poderiam ajudar a esclarecer o mistério do duplo assassinato no Rio. O prazo acertado vai até novembro de 2022. A quebra de sigilo dos arquivos pode coincidir com a temporada eleitoral brasileira.