Lula e Jair Bolsonaro se enfrentam nos bastidores da transição de governo.
Efeitos desse duelo poderão ser observados na sessão de hoje da Comissão de Constituição e Justiça, a mais relevante do Senado.
Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), presidente da comissão, incluiu na pauta de votação o projeto (nº 5.343) que institui a Lei de Responsabilidade Social.
É obra legislativa com 39 artigos, muito bem construída pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que obriga o governo federal a gastar com critérios objetivos de responsabilidade social e de responsabilidade fiscal.
Na essência, obriga a administração pública a trabalhar com metas para a redução da pobreza e da extrema pobreza. A referência seria o regime de metas inflacionárias adotado já adotado no planejamento econômico.
Assim, caso as taxas anuais de pobreza e extrema pobreza não sejam obedecidas, e fiquem acima dos limites estabelecidos, o governo terá que explicar os motivos e apresentar justificativas ao Congresso e, obrigatoriamente, anunciar providências para o ajuste em prazo definido.
Prevê, entre outras coisas, a organização do sistema de proteção social em torno de três mecanismos: o Benefício de Renda Mínima — substituto do Bolsa Família e do Auxílio Brasil — com valor atualizado mensalmente; e duas contas de poupança individualizadas (Seguro Família e Mais Educação) para estudantes das famílias beneficiárias que estejam matriculados na rede pública de ensino.
As duas poupanças (até 15% da renda declarada, com limite máximo) seriam financiadas exclusivamente por títulos do Tesouro. Os depósitos começariam na matrícula no ensino fundamental e seriam feitos até o final do ensino médio, regular ou profissionalizante, quando poderiam ser sacados – “se a idade do estudante não for superior em três anos à idade de referência para conclusão”.
A relatora é a senadora Simone Tebet, ex-candidata presidencial do MDB e integrante da equipe de transição de Lula.
O governo Bolsonaro supõe que a votação desse projeto na comissão é consequência de um acordo do senador Alcolumbre com o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin. Alcolumbre é candidato à presidência do Senado.
No Palácio do Planalto entende-se que esse acordo abriria espaço no Senado à rápida aprovação de uma “excepcionalidade” de R$ 275 bilhões nos gastos com programas sociais nos próximos quatro anos.
É jogo de cena. O atual governo diz que não pretende deixar Senado e Câmara aprovarem um bilionário “cheque em branco” à próxima administração — embora tenha sido beneficiário desse artifício nos últimos três anos.
No entanto, mantém a porta aberta à negociação: quer, entre outras coisas, que o futuro governo Lula oriente os partidos aliados a aprovar, até dezembro, mais de uma dezena de indicações de juízes feitas por Bolsonaro para primeira e segunda instâncias do Judiciário federal.
É um impasse típico do varejo político. Poderá, no entanto, prejudicar a tramitação de uma engenhosa iniciativa de organização da proteção social no país, negociada durante os últimos quatro anos pelo senador Jereissati.
Foi apresentado no auge da pandemia, em 2020. Na época, o Congresso chegou antecipar a aprovação do regime de metas para redução da pobreza dentro da Medida Provisória que criava o Auxílio Brasil. Bolsonaro vetou.
Ninguém entendeu o motivo — e ele nunca explicou.